No Gabão, crocodilos estão vivendo em um local que não parece muito hospitaleiro: o sistema de cavernas de Abanda, escuro e quente, com fumaça nauseante e fezes de morcego por todo lado.
“Parece lama líquida, mas não é”, explica o especialista em cavernas Olivier Testa. Misturado com água, esses resíduos de morcegos se transformam em uma piscina viscosa. “É um ambiente extremamente difícil”, completa o herpetologista Matthew Shirley.
Testa e Shirley fazem parte de uma equipe de pesquisa que atualmente estuda esses crocodilos. Os cientistas acham que os animais estão evoluindo para uma nova espécie, a fim de viver de forma mais adaptada às inóspitas cavernas.
Crocodilos-anões são encontrados acima do solo em todo o território do Gabão, mas a população que habita as cavernas desenvolveu uma assinatura genética única e incomparável.
A dupla recolheu amostras de sangue de diversos indivíduos de Abanda. Cerca de 100 a 200 provavelmente vivem nas 10 a 12 cavernas diferentes do sistema, mas distinguir os crocodilos na escuridão é difícil.
Eventualmente, os pesquisadores conseguiram obter amostras de sangue de 30 a 40 indivíduos diferentes. Além disso, também recolheram amostras de sangue de cerca de 200 crocodilos terrestres da mesma região africana.
Sequenciando o DNA de cada população, a equipe de pesquisa descobriu que os crocodilos da caverna possuíam um haplótipo único – um grupo de genes que passa de geração e é herdado por apenas um dos pais.
“Como resultado desse isolamento e do fato de que poucos indivíduos entram ou saem da caverna, eles estão no processo de se tornarem uma nova espécie. Se isso vai acontecer em breve ou não, ninguém sabe”, argumentou Shirley.
Os cientistas já tinham observado diferenças físicas e comportamentais na população que vive nas cavernas em 2016, descritas em um artigo publicado no African Journal of Ecology.
Os crocodilos foram encontrados pela primeira vez em 2008 pelo arqueólogo Richard Oslisly. Não sabemos exatamente há quanto tempo os animais vivem na caverna.
Shirley estima que isso aconteceu há pelo menos alguns milhares de anos, quando alguns crocodilos entraram lá à procura de abrigo ou comida. Várias centenas de gerações são necessárias para desenvolver tal assinatura genética única, e crocodilos-anões podem viver por 50 a 100 anos.
Ao contrário dos crocodilos-anões que habitam o solo e se alimentam de peixes e crustáceos, a população das cavernas come principalmente morcegos. Na verdade, essa pode ser uma das razões pelas quais originalmente migraram para o sistema de cavernas.
Há dezenas de milhares de morcegos lá. Quando os pesquisadores analisaram o conteúdo estomacal dos crocodilos, encontraram esqueletos e pele de morcego misturados com grilos.
Alguns dos grandes crocodilos machos também são alaranjados, mas é difícil que essa seja uma mutação genética – é provavelmente resultado da imersão nas fezes de morcego. Os resíduos desses animais são compostos em grande parte de ureia, logo, as poças de pH altamente básico podem “tingir” os animais.
Em populações pequenas como esta, a diversidade genética é uma preocupação. A endogamia pode levar a doenças e defeitos congênitos. Shirley teoriza que um pequeno número de indivíduos vindos de fora da caverna acabem chegando por lá a cada geração.
Além da incrível descoberta do que pode ser uma população geneticamente única, estudar os crocodilos que vivem em Abanda pode auxiliar os cientistas a entender como esses animais se adaptam a ambientes inóspitos.
Os crocodilos são répteis naturalmente diurnos, que dependem da luz solar para regular o metabolismo. A maioria dos crocodilos de Abanda fica sem luz solar durante décadas.
Ainda há muito para aprender sobre a espécie e sua evolução. Um artigo científico sobre os animais ainda está sendo preparado.
Ciberia // NatGeo / HypeScience / ZAP