Se a mistura genética é o principal ingrediente daquilo que chamamos de evolução, um novo estudo aponta que houve uma convergência de genomas dos povos pré-colombianos há 13 mil anos.
Cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, debruçaram-se sobre amostras de DNA de 91 nativos ancestrais para tentar compreender melhor como se deu o povoamento do continente.
As conclusões estão na edição da revista Science que será publicada nesta sexta-feira.
Eles partiram da hipótese de que, conforme apontam algumas pesquisas recentes, os nativos americanos têm origens de dois ramos ancestrais: um que entrou pelo norte do continente, outro vindo pelo sul. Por essa versão, o ramo sul teria dado origem a todas as populações indígenas da América Central e do Sul.
Mas, ao analisar as amostras de DNA, eles chegaram a uma conclusão nova: a grande maioria dos povos nativos da parte sul do continente conserva pelo menos algum DNA do ramo norte – conforme pode ser comprovado ao comparar os exemplares com membros de comunidades que vivem hoje no leste canadense e são considerados descendentes diretos desses pioneiros.
Ainda que tais populações tenham se mantido distantes por milênios, portanto, elas conservam um DNA comum.
Quando analisadas hoje, as populações indígenas atuais da América Central e do Sul apresentam de 42% a 71% do genoma oriundo do ramo norte. E isso deixou os cientistas surpresos. A maior proporção dessa influência genética apareceu justamente no extremo sul do continente, no Chile, na área do sítio arqueológico de Monte Verde, de 14,5 mil anos atrás – um dos mais antigos assentamentos humanos conhecidos da América.
Para a antropóloga especializada em genética Christiana Scheib, de Cambridge, essa descoberta é “intrigante”. Mas, segundo ela, por falta de amostras de DNA mais antigo é impossível saber ao certo quando foi que esse ramo do norte chegou à América do Sul.
Antes de 13 mil anos atrás, a migração para o sul era extremamente difícil porque havia muito gelo bloqueando o caminho.
Por outro lado, justamente a área de Monte Verde é um local que não teria sido coberto pelo gelo. Ou seja: uma vez instalada no local, é altamente provável que a população tenha permanecido isolada por um longo tempo, preservando sua continuidade genética.
Separação e miscigenação
De acordo com a pesquisa, é possível tentar desenhar como foi o trajeto do povoamento americano, segundo as variações genéticas.
Entre 18 mil e 15 mil anos atrás, há indícios de que os primeiros povos do ramo norte se separaram em dois núcleos, muito possivelmente seguindo facilidades naturais decorrentes do degelo da última fase da Era Glacial.
Alguns desses ancestrais, como apontam genomas de sítios da região de Ontário, no Canadá, migraram para o leste, justamente na região dos Grandes Lagos. Outro seguiram, ao longo da costa do Pacífico, em direção ao sul, provavelmente “pulando” de ilha em ilha.
Foi este ramo, segundo o estudo, que deu origem ao povo pré-histórico batizado de Clovis – assim nomeado por conta de resquícios encontrados perto da cidade de Clovis, no Novo México, e até pouco tempo atrás considerados como ancestrais de todos os nativos americanos. Esses nativos teriam vivido há cerca de 13 mil anos.
Mas as descobertas não param por aí. Os genomas indicam que, por volta de 13 mil anos atrás, as duas populações então separadas geograficamente sofreram uma “reconvergência”, ou seja, um processo de miscigenação.
Para o antropólogo e biólogo Ripan S. Malhi, do Instituto de Biologia e Genoma de Illinois, nos EUA, esses resultados servem para que “possamos aprender mais sobre as complexidades das histórias ancestrais nas Américas, graças às tecnologias paleogenômicas”. Ele diz que, com o estudo, fica claro que os modelos anteriores eram “irrealisticamente simples demais“.
// BBC