Nas próximas semanas, empresários e exportadores brasileiros deverão acompanhar com grande atenção os capítulos finais da novela do Brexit, como é chamada a saída do Reino Unido da União Europeia.
Isso por que, a depender de como o processo de retirada do bloco aconteça até 31 de outubro, a indústria brasileira poderá amargar perdas anuais de até US$ 736 milhões em exportações nos cenários mais pessimistas, segundo projeções divulgadas hoje pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Conforme os dados divulgados pelo Ministério da Economia, no mês de setembro de 2019 a balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 2,2 bilhões, retração de 59,9% frente ao valor alcançado no mesmo período do ano anterior, de US$ 5,5 bilhões.
Nesta quinta-feira (17/10), o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciaram ter chegado a um acordo sobre o Brexit apenas algumas horas antes de uma reunião entre líderes europeus em Bruxelas.
A saída do bloco foi decidida em um referendo de julho de 2016, mas ainda não se concretizou por falta de acordo sobre os detalhes de como isso se dará. Se nenhum consenso for aprovado pelos parlamentos do Reino Unido e de cada país membro da União Europeia, em 31 de outubro o Brexit acontece sem acordo.
Se o acordo anunciado por Johnson for aprovado, o Reino Unido inteiro deixará o regime alfandegário da União Europeia, o que abre espaço para que o governo britânico possa fechar acordos comerciais com outras nações no futuro — inclusive com o Brasil, se depender das expectativas da CNI.
Ainda que a União Europeia seja um mercado crucial para muitos países latino-americanos, o comércio com o Reino Unido é mais reduzido. O Brasil é maior exportador regional para os britânicos, o volume negociado corresponde a apenas 2% das exportações totais brasileiras.
O que deixaremos de exportar?
Segundo a CNI, a União Europeia já anunciou que, com a saída do Reino Unido, reduzirá suas cotas preferenciais fixas que mantém com outros países. Serão eliminadas 11 cotas específicas que o bloco tem de importação de produtos brasileiros.
Caso isso se confirme, a CNI estima uma perda de exportações de 112 mil toneladas já no primeiro ano. As exportações de frango salgado, por exemplo, sofreriam queda de quase 30%, as vendas de cana de açúcar para refino cairíam em cerca de 8% e as de carne processada de aves seriam reduzidas em 33,7%.
Segundo o gerente-executivo de Assuntos Internacionais da CNI, Diego Bonomo, o “mundo ideal” desejado pelos exportadores brasileiros é que o Brexit ocorra com acordo.
Além disso, que a perda das 11 cotas de exportação que a União Europeia tem com o Brasil — pelo qual o bloco garante a compra de produtos brasileiros — seja rapidamente substituída por cotas do Reino Unido para a compra de produtos brasileiros. E, em uma terceira frente estratégica, que sejam iniciadas rapidamente as negociações para buscar um acordo de livre comércio com o Reino Unido.
“A possibilidade de um acordo já foi sondada pelo próprio Reino Unido. E de nossa parte, pelo menos do setor privado, há muito interesse“, diz o executivo.
Segundo Bonomo, o Brasil exporta para o Reino Unido principalmente matérias-primas agrícolas, produtos agropecuários processados e manufaturados como autopeças e componentes de máquinas.
E se não sair acordo?
O pior cenário, na visão da CNI, é justamente se as lideranças não conseguirem a aprovação de seus parlamentos, e o Brexit ocorrer sem um acordo. Nesse caso, o pessimismo da CNI se baseia nas projeções divulgadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estima que um Brexit sem acordo representaria para o Reino Unido uma retração econômica de 3% e queda de 0,6% para a União Europeia.
A previsão da CNI é de que, nesse mesmo cenário, cada 1% de queda no PIB global representaria uma retração de 2,1% nas exportações do Brasil. Nesse cálculo, o Brexit sem acordo resultaria numa perda acumulada em 12 meses de US$ 736 milhões para o Reino Unido e a União Europeia.
Com a saída do Reino Unido, a União Europeia divulgou uma lista reduzindo em 28,7% o número total de cotas. Atualmente, o Brasil tem 11 cotas específicas que cairiam, na previsão da UE. Nessa negociação, a reivindicação da entidade industrial brasileira, que representa 700 mil empresas, é que as cotas perdidas sejam totalmente recuperadas na União Europeia.
Entre as grandes economias latino-americanas, a Colômbia é a mais dependente das compras britânicas, mas mesmo assim o total de suas exportações com destino a Londres e adjacências é de apenas 2,5%. Em 2018, o Brasil vendeu US$ 42,1 bilhões para a União Europeia, o que significou 17,6% das exportações do país. Em 1998, a quantia era menor, de US$ 152,7 bilhões, mas correspondia a 30% do total embarcado.
Para sair do papel, a negociação ainda precisa de aprovação dos parlamentos do Reino Unido e da União Europeia. Johnson tem que conseguir aprovar seu acordo no Parlamento até sábado se quiser evitar ter que pedir à União Europeia uma nova extensão do prazo limite para a concretização do Brexit, que por enquanto — depois de outros pedidos de extensão— é 31 de outubro.
Por que o Reino Unido está deixando o bloco?
Num plebiscito em 23 de junho de 2016, os britânicos foram perguntados se o Reino Unido deveria permanecer ou deixar a UE. A maioria — 52% contra 48% — decidiu que o país deveria deixar o bloco. Mas a saída não aconteceu de imediato, foi agendada para o dia 29 de março de 2019.
“Chegamos a um ótimo novo acordo que nos devolve o controle”, escreveu hoje o primeiro-ministro Boris Johnson no Twitter. “Agora o Parlamento deve finalizar o Brexit no sábado para que nós possamos seguir com outras prioridades.”
“Onde há vontade, há acordo — E nós temos um! É um acordo justo e equilibrado para a União Europeia e o Reino Unido e é uma prova do nosso compromisso em encontrar soluções. Recomendo que o Conselho Europeu respalde esse acordo”, publicou Juncker no Twitter. Tanto ele quanto Johnson urgiram seus respectivos parlamentos a apoiarem o acordo.
Os dois lados estavam trabalhando na parte legal do texto, mas a negociação ainda precisa de aprovação dos parlamentos do Reino Unido e da União Europeia. Johnson tem que conseguir aprovar seu acordo no Parlamento até sábado se quiser evitar ter que pedir à União Europeia uma nova extensão do prazo limite para a concretização do Brexit, que por enquanto — depois de outros pedidos de extensão — é 31 de outubro.
Com o encontro de líderes em Bruxelas, eles podem dar sua aprovação política ao texto que foi trabalhado para ficar pronto justamente a tempo de ser lido na reunião.
No entanto, em nota, o partido norte-irlandês DUP, que forma uma coalizão com o Partido Conservador, mas tem sido o principal entrave para a aprovação do Brexit, já informou não apoiar o acordo. O texto, divulgado antes do anúncio de Johnson, dizia que o partido não poderia apoiar as propostas “da maneira como estão”. Depois do anúncio do primeiro-ministro, disseram que a declaração “ainda vale”.
Pelo acordo, o Reino Unido inteiro deixará o regime alfandegário da União Europeia. Haverá uma fronteira alfandegária entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda (esta permanecerá na UE). Mas, na prática, a fronteira alfandegária será entre a Grã-Bretanha e a ilha da Irlanda, com a checagem de mercadorias em seus “pontos de entrada” na Irlanda do Norte.
O líder do partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, disse que o acordo parecia “ainda pior” do que o negociado pela ex-premiê Theresa May e “deve ser rejeitado” por membros do Parlamento.
As propostas de Johnson para um novo Brexit se baseavam em se livrar do “backstop”, a solução negociada entre May e a União Europeia para resolver os problemas na fronteira entre a República da Irlanda (país independente e membro da União Europeia) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) depois da saída do Reino Unido da União Europeia.
No entanto, há quem entenda que o novo projeto confere um tratamento diferente à Irlanda do Norte em relação ao Reino Unido, com regras e regulações aduaneiras diferentes do resto —algo que preocupa o DUP.
O principal negociador da União Europeia, Michel Barnier, afirmou que o novo acordo se baseia em quatro elementos: A Irlanda do Norte permanecerá alinhada a uma série de regras da União Europeia, notadamente as relacionadas a movimentação de produtos; a Irlanda do Norte permanecerá no território aduaneiro do Reino Unido, mas vai continuar sendo “um ponto de entrada” para o mercado comum da União Europeia; há acordo para manter a integridade do mercado único e satisfazer os desejos legítimos do Reino Unido em relação a sua taxação sobre produtos; representantes da Irlanda do Norte poderão decidir se continuam aplicando ou não as regras da união audaneira na Irlanda do Norte a cada quatro anos.
// BBC