No coração do Parque Natural da Serra de Grazalema, na região da Andaluzia, no sul da Espanha, a pequena cidade de Zahara de la Sierra se isolou do mundo e conseguiu impedir a entrada do coronavírus.
Com cerca de 1,4 mil habitantes, o pequeno município da província de Cádiz bloqueou cinco das seis entradas para se blindar da pandemia da covid-19 e, até hoje, não tem nenhum caso registrado.
A Espanha é o segundo país do mundo em número de casos confirmados (cerca de 210 mil) atrás apenas dos Estados Unidos, e terceiro em número de mortes (mais de 23 mil), após EUA e Itália. Segundo dados oficiais do governo da Andaluzia, em toda a província de Cadiz há mais de 1,2 mil casos de covid-19 e as mortes já são mais de cem.
Mas, dentro desse quadro nacional caótico e preocupante, a secretária de Saúde e Família da Andaluzia confirma que a pequena Zahara continua sem registro de mortes. O segredo, segundo a prefeitura local, é ter agido cedo e com rigor — e ter contado com a colaboração de todos os moradores.
Entrada proibida
No único acesso aberto a Zahara, agentes policiais controlam o fluxo de veículos e só permitem a entrada de quem vai trabalhar em serviços considerados essenciais, garantida pelo decreto do estado de alerta, assinado pelo governo central em Madri, em vigor desde 14 de março.
Com um borrifador, voluntários e servidores municipais desinfetam todos os carros que entram e saem do município. Os veículos também passam por um quebra-molas sanitário e através de um arco que lança automaticamente uma mistura com água sanitária.
O prefeito de Zahara de la Sierra, Santiago Galván, explicou à reportagem da BBC News Brasil que a chave para evitar o contagio pelo coronavírus foi a reorganização do trânsito. Ele conta que determinou o fechamento das ruas e direcionou o fluxo de veículos a uma única avenida. “Temos a vantagem da geografia do nosso terreno, estamos em uma colina. Há uma rodovia estadual de acesso, mas dentro da cidade, todas as vias de conexões são municipais”, explicou a BBC News Brasil.
No interior da cidade, ruas, calçadas, praças e demais espaços públicos também são desinfetadas, todas as segundas e quintas-feiras. Coordenados por dois funcionários da prefeitura, 35 voluntários se dividem em turnos e grupos para desinfetar cada rua e praça de Zahara.
Um desses voluntários é o agricultor Antonio Atienza Santos, 30 anos, que emprestou dois tratores ao munícipio e ajuda na limpeza do povoado. “Somos uma cidade pequena, todos nos conhecemos. Espero que tudo volte a ser como era antes, mas sei que vai demorar um pouco”, comenta.
Galván diz que as medidas de controle e limpeza dão tranquilidade à população, mas ressalta que o mais importante é a conscientização dos moradores de que o isolamento tem que ser mantido. “O mais importante tem sido a responsabilidade dos moradores de ficarem em casa e evitar aglomerações”, diz o prefeito da cidade, que conta apenas com um posto de saúde.
Entregas a domicílio
Para estimular que a população fique em casa, uma parceria público-privada organizou um sistema gratuito de compras e entregas a domicílio: o esquema reúne supermercados, mercearias, farmácias e todos os demais negócios considerados essenciais pelo governo espanhol e autorizados a funcionar.
O pedido é feito por telefone; funcionários e voluntários se encarregam de juntar os itens e entregá-los às residências. Para os que precisam sair, Zahara conta com quase 4 mil máscaras de proteção enviadas pelo governo estadual. Além disso, 53 costureiras voluntárias confeccionaram 3 mil máscaras reutilizáveis, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde.
As medidas adotadas no município serviram até agora para proteger, principalmente, as pessoas mais vulneráveis, aquelas com mais de 65 anos, que representam 21% da população local.
“Ampliamos o serviço de assistência social, com a colaboração da associação de mulheres, que ofereceu voluntárias para o monitoramento dos idosos por telefone. Assim, todos podem ligar e solicitar ajuda caso haja qualquer incidente em casa”, acrescenta Galván. No asilo sem fins lucrativos da cidade, todos os idosos e trabalhadores fizeram teste da covid-19 e deram negativo.
O sucesso atual de Zahara é ainda mais impressionante se comparado à vizinha Ubrique, cidade com cerca de 17 mil habitantes. A 36 km de Zahara, Ubrique já tem quase 50 casos registrados de covid-19, com pelo menos uma morte.
Turismo rural e de aventura
A pandemia afeta especialmente o setor de turismo que tem grande participação no Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha. O turismo é também o de maior peso na economia da região. Zahara depende 90% do turismo.
Banhada por um açude de água azul turquesa, Zahara de la Sierra faz parte da chamada Rota das Aldeias Brancas. A cidade foi declarada patrimônio histórico pelo Ministério da Cultura espanhol e, com isso, se tornou espaço natural protegido pelo governo da Andaluzia. É uma das chamadas “aldeias mais bonitas da Espanha”.
O município, que conserva partes de uma vila medieval e muralhas, recebia grande volume de turistas da Ásia, América do Norte e Europa. “Quantos turistas vamos receber nos próximos meses? Provavelmente estamos falando de um ano perdido”, diz o prefeito, consciente de que o impacto será forte para a economia local.
O empresário Alejandro Galván Atienza, 43 anos, é proprietário de um pequeno hotel rural de duas estrelas e com cerca de 20 quartos. Atualmente, o estabelecimento está fechado e ele lamenta a incerteza que o setor turístico vive.
Atienza viu todas as reservas do semestre serem canceladas quando o governo espanhol decretou o estado de alerta — justamente no momento em que começava a alta temporada. “Até que não tenhamos uma vacina, será complicado para o setor turístico”, estima o empresário.
Mas, o empresário acredita que as medidas adotadas em Zahara foram acertadas e a participação dos moradores — que não saem de casa para nada — tem ajudado a manter o munícipio como zona livre do vírus. E que isso vai ajudar na recuperação da economia local quando a pandemia estiver sob controle.
// BBC