Alguns anos atrás, o advogado Vladimir (nome modificado), morador de uma grande cidade russa, decidiu ter um filho com o auxílio de uma mãe de aluguel. Sua família inteira ficou contente quando uma menina nasceu. Era a primeira filha em três gerações. Seus pais e outros familiares, incluindo sua avó de 80 anos, ajudaram bastante na criação da menina, que agora tem quase três anos.
Poucas pessoas sabem que Vladimir, um homem gay, contratou uma barriga de aluguel. Seus vizinhos podem até suspeitar, mas não fazem perguntas.
“Quando decidi ter filhos, havia várias clínicas de medicina reprodutiva”, conta ele, que acabou optando pela opção mais barata: a fertilização in vitro com um óvulo de uma doadora custa 250 mil rublos (cerca de R$ 18 mil). Ao todo, Vladimir pagou o equivalente a quase R$ 150 mil. A mãe de aluguel, uma ucraniana, recebeu metade desse valor.
O parto não foi fácil, e a criança teve que passar algum tempo no hospital. Os médicos aconselharam o pai a resolver as formalidades o mais rápido possível, e ele recebeu a certidão de nascimento da bebê, da qual o nome da mãe foi riscado em uma semana.
Assim que eles foram para casa, Vladimir matriculou sua filha num jardim de infância local, pois a lista de espera costuma ser muito longa. Ele também começou a receber apoio financeiro. “É bom que o Estado nos reconheça como uma família”, diz. Um dia ele pretende explicar à filha – que às vezes o chama de “papai-mamãe” – como ela veio ao mundo.
Medo de ser preso
Apesar de programas de barriga de aluguel serem legais na Rússia, Vladimir teme por seu status familiar. No final de setembro, ele ouviu de amigos que as autoridades estavam planejando prender homens solteiros com filhos nascidos de mães de aluguel. De acordo com reportagens da mídia local, as prisões estariam relacionadas a um caso de tráfico de crianças, envolvendo a morte de um bebê nascido de uma barriga de aluguel.
“Para ser sincero, fiquei muito assustado”, admite Vladimir. “Desde que me tornei um pai solteiro, não tenho sido confrontado com homofobia. Mas parece que agora isso está acontecendo. Não é justo.”
Embora não quisesse deixar a Rússia, ele diz que começou a pensar a respeito: “Num clima como esse, talvez seja melhor ir embora. Tenho um primo e amigos na Alemanha. Esse é provavelmente o melhor lugar para nós.”
A ameaça enfrentada por gays com filhos na Rússia também foi tornada pública pelo advogado Igor Trunov. Ele representa pais de crianças nascidas de barrigas de aluguel que enfrentam acusações de tráfico num caso que inicialmente não tinha nenhuma relação com pais solteiros.
Em janeiro deste ano, um bebê nascido de uma mãe de aluguel morreu de causas naturais num apartamento perto de Moscou. A babá do recém-nascido relatou a morte à polícia, que então constatou que havia outros bebês concebidos por mães de aluguel no apartamento. Várias babás estariam cuidando deles enquanto seus futuros pais preenchiam a papelada antes de poder levá-los para casa, em alguns casos, para o exterior.
Reportagens sobre um “apartamento suspeito” apareceram na televisão russa, e as autoridades começaram a investigar. Os bebês foram internados em abrigos para menores, e o inquérito foi ampliado para incluir outros casos de mães de aluguel e tráfico organizado de pessoas resultando em morte.
Vários foram presos e pelo menos dez deles, incluindo médicos e duas babás, foram acusados. A maioria trabalha para a empresa Rosjurconsulting, especializada em direito reprodutivo e reprodução medicamente assistida, ou para o Centro Europeu de Barrigas de Aluguel na Rússia (ECSM), que oferece apoio e acomodação para mães de aluguel. As duas organizações trabalham juntas há anos e já ajudaram centenas de pessoas a ter filhos.
Ataques à orientação sexual
“Trabalho conforme a lei desde 2003”, diz à DW o CEO da Rosjurconsulting, Konstantin Svitnev, que é um dos acusados. “Fomos o primeiro escritório de advocacia a atuar nessa área na Rússia. Agora, existem centenas de agências de mães de aluguel, mas eles só estão investigando a mim e as pessoas com quem trabalhei.”
Ele conta que os promotores queriam provar seu envolvimento com tráfico de bebês, acusando-os de simplesmente entregarem os recém-nascidos a clientes, cujos óvulos ou sêmen sequer haviam sido usados. “Esse não é o caso”, insiste Svitnev, apontando que a equipe de defesa apresentou os resultados de um relatório genético como prova.
As autoridades, afirma, não estavam interessadas no tráfico de pessoas, mas na orientação sexual dos clientes da Rosjurconsulting e do ECSM. Relatos na mídia sugeriram ainda que, durante o interrogatório, os médicos foram solicitados a fornecer informações sobre quaisquer “sinais de homossexualidade” eventualmente exibidos por seus pacientes.
“Nunca questionei meus clientes sobre coisas desse tipo”, desabafa Svitnev, com raiva. Ele lembra que, em 2010, um tribunal confirmou explicitamente que pais solteiros também podiam participar de programas de mães de aluguel. “Isso parece um ataque das autoridades a pessoas que não têm uma orientação sexual tradicional, o que é totalmente discriminatório.”
Segundo ele, buscas conduzidas em setembro em clínicas com as quais a Rosjurconsulting e o ECSM trabalharam são prova de que os investigadores estavam atrás de pais gays, pois eles buscaram especificamente informações sobre homens solteiros. Svitnev também disse que os investigadores telefonaram para vários pais solteiros para uma conversa informal.
O Comitê de Investigação Russo não confirmou nem negou relatos sobre os interrogatórios ou a natureza da investigação. Um pedido de informações feito pela DW ao comitê não obteve nenhuma resposta. “O silêncio diz muito”, diz Svitnev. “Eles foram pegos em flagrante.”
O advogado aconselhou seus clientes a não participarem de nenhuma conversa informal e a sempre solicitarem uma intimação oficial. Ele também recomendou que os pais e seus filhos façam um teste de DNA e verifiquem se todos os seus arquivos médicos sobre a barriga de aluguel estão em ordem e certificados legalmente.
Dois de seus clientes decidiram deixar a Rússia com seus filhos.