Após soltar presos, STF se prepara para mais dois julgamentos que podem impactar Lava Jato

Gil Ferreira / SCO / STF

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Após soltar quatro presos preventivos da operação Lava Jato nos últimos dias, incluindo o ex-ministro José Dirceu, o Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar mais duas ações que podem ter impacto relevante sobre os rumos da investigação.

Está marcada para o próximo dia 18 a análise de dois pedidos para que seja declarada inconstitucional a condução coercitiva (ou seja, forçada) de investigados para depoimento. A medida já foi usada 205 vezes na Lava Jato, segundo dados da Polícia Federal, inclusive contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Já para 31 de maio, está previsto que o STF decida sobre restringir ou não o foro privilegiado de autoridades apenas a eventuais crimes cometidos no exercício de seus mandatos.

Se a proposta for aprovada, supostas ilegalidades sem relação com seus cargos não seriam mais julgadas pelo Supremo, mas remetidas para varas de primeira instância, como a do juiz Sergio Moro em Curitiba.

Ambos os julgamentos, porém, podem ser interrompidos por pedidos de vista, o que adiaria seu desfecho.

Condução coercitiva

Caso uma pessoa receba uma intimação e se recuse a comparecer perante um juiz, ele pode determinar que o indivíduo seja obrigado pela polícia a se apresentar. Esse expediente, chamado de condução coercitiva, pode ser usado contra investigados, testemunhas, peritos ou mesmo a vítima do crime que está sendo apurado.

A polêmica envolvendo a Lava Jato é que Moro com frequência determina a condução coercitiva de investigados ou testemunhas mesmo sem ter feito uma intimação prévia.

No caso de Lula, por exemplo, o juiz federal justificou a decisão dizendo que tinha a finalidade de evitar “tumulto” envolvendo simpatizantes e opositores do petista.

Para críticos da Lava Jato, o mecanismo é usado como forma de constranger os investigados a falar, atrapalhar sua defesa e gerar cobertura midiática.

Duas ações, propostas por PT e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), pedem que o Supremo considere inconstitucional apenas a condução coercitiva de investigados para prestar depoimentos.

O argumento é que, como acusados e réus não são obrigados a se autoincriminar e têm o direito de mentir ou permanecer em silêncio, eles não podem ser forçados a comparecer para depor. Dentro dessa perspectiva, eles sustentam que o depoimento dos investigados é uma forma de se defender, não de gerar provas contra ele, e por isso deve depender da sua vontade.

O advogado Juliado Breda, que representa a OAB na causa, diz que a condução coercitiva foi popularizada pela Lava Jato e passou a ser usada com muito mais frequência em todo o país, também em processos sem relação com a operação.

Nossa ação não é dirigida à Lava Jato, até porque a Lava Jato um dia vai terminar e todos os outros processos criminais seguem seu curso”, afirmou.

No caso do Supremo não proibir a condução coercitiva para investigados deporem, a OAB solicita que a corte vete interpretações da lei no sentido de ser possível adotar o expediente mesmo sem intimação prévia.

“O que a Ordem defende é que as investigações sejam conduzidas dentro do devido processo legal, ou seja, dentro do que as leis do país permitem. A lei tem que ser cumprida por todos, especialmente pela polícia, pelo Ministério Público e pelos juízes”, disse ainda.

Paralelamente a essa discussão no Supremo, o Congresso discute uma nova lei de abuso de autoridade que prevê prisão para autoridades que determinarem condução coercitiva de testemunhas e investigados sem prévia intimação.

Em resposta, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, defendeu a importância do instrumento.

“Esse mecanismo já foi usado mais de 200 vezes na Lava Jato. Não viola o direito da pessoa. É apenas uma condução para que a pessoa preste depoimento, ainda que tenha direito ao silêncio, se preferir. E isso tem uma razão de ser, que é justamente evitar que depoimentos sejam combinados, além de muitas vezes evitar a prisão temporária, invadindo menos a liberdade da pessoa. É evidente que um projeto que criminaliza as coercitivas é contra a Lava Jato”, disse em abril.

Convocados a se manifestar pelo relator da ação no STF, ministro Gilmar Mendes, a Procuradoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União (AGU) também defenderam a validade da condução coercitiva.

Segundo a AGU, a medida é “muito menos gravosa que a prisão temporária e visa atender diversas finalidades úteis para a investigação, como garantir a segurança do investigado e da sociedade, evitar dissipação de provas ou o tumulto na sua colheita, além de propiciar uma oportunidade segura para um possível depoimento, dentre outras”.

Foro privilegiado

O foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, garante que autoridades sejam julgadas em instâncias superiores da Justiça.

Em teoria, o mecanismo busca impedir ações indevidas contra pessoas que ocupam importantes cargos públicos – e por isso estariam mais sujeitas a perseguições políticas -, assim como evitar que as mesmas usem seu poder para intimidar juízes, procuradores e promotores de primeira instância.

Na prática, porém, o foro privilegiado é visto pela maioria da sociedade como fonte de impunidade, já que ações penais costumam ter andamento bem mais lento no STF – corte que não tem como função principal julgar crimes – do que na primeira instância. Pesquisa Datafolha que acaba de ser divulgada mostra que 70% dos brasileiros é a favor do fim desse mecanismo.

Diante da enxurrada de novas causas que podem chegar ao tribunal, após dezenas de investigações contra parlamentares e ministros serem abertas a partir das delações de executivos da Odebrecht, a ministra Carmén Lúcia pautou para 31 de maio o julgamento de uma proposta do ministro Luís Roberto Barroso para restringir o foro apenas a eventuais crimes cometidos no exercício de seus mandatos.

Carlos Humberto/ SCO / STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia

Se for aprovada, esses casos ligados à Lava Jato serão remetidos a varas de primeira instância em todo o país – em sua maioria, provavelmente para a de Moro.

A ideia foi lançada pelo ministro dentro do julgamento de um deputado acusado de compra de votos durante a eleição. Segundo Barroso, o atual sistema “é feito para não funcionar e se tornou uma “perversão da Justiça“”.

“Há problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais. Não é assim em parte alguma do mundo democrático”, disse Barroso.

O tema é delicado. Em um ato incomum, outro ministro do STF, Luiz Fux, já declarou publicamente que a proposta tem apoio da maioria do Supremo. Já o ministro Gilmar Mendes fez críticas a ideia, defendeu a necessidade de foro e disse que seria função exclusiva do Congresso mudar as regras.

Em aparente reação a movimentação do Supremo, o Senado aprovou em primeiro turno, por unanimidade (algo totalmente incomum), o fim do foro para quase todas as autoridades, inclusive juízes e promotores, mantendo essa proteção apenas para chefes de Poder – presidentes da República, do Senado, da Câmara e do STF.

Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição, no entanto, o texto ainda precisa passar por uma nova votação no Senado e ser aprovado de forma idêntica na Câmara, além de antes ser debatido em um número mínimo de sessões nas duas casas.

Nos bastidores, fala-se que a estratégia é empurrar ao máximo o debate, fazendo mudanças na proposta, para que ela fique “em processo contínuo de aperfeiçoamento”.

Para o professor da FGV Michael Freitas Mohallem, o movimento do Senado de aprovar a proposta em primeiro turno pode servir de justificativa para que algum ministro peça vista do processo, sob o argumento de que é melhor esperar o Congresso avaliar a matéria.

Segundo ele, proposta de Barroso “é uma tese difícil“.

“Nada parece impossível para o Supremo, mas de fato é um pouco fora da normalidade (a interpretação sugerida pelo ministro), de ler entrelinhas da Constituição (para restringir o foro). É fazer uma limonada com uma casquinha de limão“, disse.

“Mas pode ser uma questão de sobrevivência institucional. Os ministros sabem que o Supremo vai se afogar nos próximos anos com esses processos da Lava Jato, ficar refém dessa pauta, então pode ser motivação para que alguns deles forcem essa interpretação”, acrescentou.

Na estimativa do professor, caso o Supremo acolha a proposta de Barroso, “isso reduz em mais de 95% os casos no STF, principalmente nessa onda recente de Lava Jato, em que vários casos são vinculados a períodos anteriores, apesar de terem sido descobertos agora”.

// BBC

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