A Catalunha se prepara para um novo dia de indignação, depois que milhares de ativistas pela independência cercaram o aeroporto de Barcelona, na segunda e terça-feira, para denunciar a condenação de seus líderes a sentenças duras pelo Supremo Tribunal espanhol. Brasileira que estava no local conta, com exclusividade para a RFI, como foi passar a madrugada no aeroporto.
Na manhã de hoje, algumas estradas e ferrovias foram bloqueadas novamente por manifestantes, aguardando mais instruções da misteriosa organização “Tsunami Democrata”; que na véspera havia convocado o bloqueio do aeroporto.
Alguns dos ativistas tiraram férias para poder ir protestar, como Carles Navarro, consultor de 49 anos.
“Fazemos isso para causar o máximo de problemas possível, para afetar a todos, para ver se eles percebem e se envolvem [no conflito]”, explicou ele no aeroporto.
Querendo imitar os manifestantes pró-democracia em Hong Kong, os independentistas vieram de carro, transporte público ou a pé para bloquear o acesso ao terminal até tarde da noite de ontem.
Por horas, tentaram furar o bloqueio da polícia que protegia o aeroporto e fez uso de balas de borracha e espuma contra os manifestantes.
O slogan já circula pelas redes sociais: “Vamos fazer da Catalunha uma nova Hong Kong”.
Noite no aeroporto
Mais de cem voos foram cancelados, muitos viajantes não puderam chegar e centenas ficaram presos no terminal a noite toda, segundo o gerente do aeroporto AENA.
Foi o caso da terapeuta holística brasileira Ilana Azeneth, que, além de ter passado horas tentando chegar ao aeroporto, não pôde sair do local quando viu que havia perdido seu voo.
“Com as estradas fechadas, os ônibus que levavam ao aeroporto não passavam. Tínhamos informações que a linha de metrô que levava ao aeroporto também não estava funcionando. Outros passageiros que estavam no ponto de ônibus iam acompanhando a evolução pelo Twitter e nos disseram que o metrô tinha reaberto. Conseguimos chegar ao aeroporto de metrô, mas tivemos que enfrentar mais duas barreiras de policiais para chegar até o embarque.”
Segundo Ilana, os policiais estavam lá para barrar a entrada de manifestantes. “Para passar pelas barreiras, tínhamos de mostrar nossas passagens ou passaportes”, conta.
Ilana disse que, quando viram que tinham perdido o voo e não havia mais aviões saindo para Nice, seu destino final, ela e o marido resolveram procurar um hotel para dormir nas redondezas.
“Todos os hotéis nas proximidades estavam lotados e não existiam meios de voltar a Barcelona. Olhamos em volta e vimos que havia crianças, famílias inteiras deitadas no chão, iam passar a noite no aeroporto. Fizemos o mesmo. Tinha gente dormindo até nas esteiras rolante onde saem as bagagens. Às 4h30, fomos acordados pela segurança do aeroporto, dizendo que não podíamos dormir no chão”, relata a brasileira, que só conseguiu voltar para casa mais de 18 horas depois do previsto.
A mobilização continua
Cerca de 40 voos foram cancelados nesta terça-feira (15). Nas brigas de segunda-feira, 131 pessoas receberam assistência médica, 115 no aeroporto e o restante em outros protestos na região.
A mobilização continua com greves estudantis e várias marchas em massa pelo território a partir desta quarta-feira (16), que devem convergir na sexta-feira em Barcelona, organizada pelas associações da Assembleia Nacional Catalã e do Omnium Cultural.
Nesta terça-feira à tarde, ambas as entidades convocaram manifestações com velas diante das delegações do governo espanhol nas principais cidades da região.
Conduzindo os protestos massivos dos últimos anos, o ex-líder do ANC, Jordi Sánchez, e o ainda presidente da Omnium, Jordi Cuixart, estavam entre os nove independentistas condenados na segunda-feira por sedição, pela tentativa de secessão da Catalunha em 2017.
Os juízes decretaram para eles nove anos de prisão. Dois ex-conselheiros (ministros regionais) receberam 10 anos; o ex-presidente do Parlamento regional, 11 anos, e outros dois ex-conselheiros, 12 anos e meio por sedição agravada por peculato.
A pior pena foi para o antigo número dois do governo separatista, Oriol Junqueras, com 13 anos por crimes de sedição e peculato.
Após a condenação, a promotoria emitiu um novo mandado de prisão com base nos mesmos crimes contra o presidente regional Carles Puigdemont, que fugiu para a Bélgica após a tentativa de secessão.
“Sem perdão”
Os sete juízes do Supremo Tribunal consideraram que os líderes independentistas revoltaram população para impedir o cumprimento das decisões judiciais e a aplicação da lei quando organizaram um referendo de autodeterminação proibido em 1 de outubro de 2017, seguido de uma declaração de secessão.
O governo socialista de Pedro Sánchez, que prepara as eleições legislativas de 10 de novembro, mostra firmeza diante dos separatistas.
As sentenças serão totalmente cumpridas, insistiu Sanchez após a decisão ser conhecida. O ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, insistiu nesta terça-feira que seu governo não contempla “perdão”.
O ministro do Exterior da Espanha e próximo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, criticou nesta terça-feira a “atitude totalitária” dos independentistas catalães.
// RFI