O jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde desta segunda-feira (27) traz um texto de meia página criticando a política cultural em vigor atualmente Brasil. Assinado por duas historiadoras francesas e uma brasileira, o artigo questiona as ações do presidente Jair Bolsonaro.
“Censura, intimidações, asfixia orçamentária, calúnias e injúrias constituem há um ano o repertorio de ações de um poder que faz abertamente apologia à ignorância”, lançam Anaïs Fléchet, da Universidade Paris-Saclay, Juliette Dumont, do Instituto de Altos Estudos da América Latina, e Silvia Capanema, da Universidade Paris 8.
Elas dão como exemplo “a tentativa de censura” do Porta dos Fundos e o “desmantelamento” da Fundação Casa Rui Barbosa.
“Se engana quem pensa que isso é apenas uma manifestação dos excessos do ‘Trump Tropical’ ou dos membros de seu governo.
Trata-se de uma verdadeira cruzada lançada por Bolsonaro e seus apoiadores”, continuam, lembrando a luta contra o que é chamado pelos próximos do governo de ‘marxismo cultural’ foi um dos elementos centrais do programa de campanha do presidente e continuam sendo um dos pontos principais do discurso do atual chefe de Estado.
“Ofensiva ideológica”
As historiadoras explicam aos leitores franceses que essa “ofensiva ideológica”, que elas também chamam de “guerra cultural”, começou com a extinção do ministério da Cultura, seguido de cortes orçamentários drásticos colocados em prática “em nome de uma ortodoxia neoliberal”.
Elas citam em seguida a revisão da Lei Rouanet e as reduções do mecenato de empresas públicas, que “já fragilizam o setor e deverão se sentir ainda mais em 2020”.
Segundo as signatárias, a estratégia do governo, “baseada em argumentos econômicos”, tem como alvo, entre outros, o cinema nacional, apesar do sucesso de filmes como Bacurau e A Vida Invisível, premiados pelo mundo.
As medidas também visam o setor de espetáculos, com a censura de obras que tratam de temas como ditadura, sexo ou questão de gênero.
Cultura resiste, apesar do recuo da democracia
O texto ainda enumera as nomeações recentes feitas pelo governo, que escolhe personalidades compatíveis com sua ideologia. Como exemplo, o artigo lembra as polêmicas recentes protagonizadas por nomes como Sergio Camargo, que quase dirigiu a Fundação Palmares, mesmo tendo apresentado a escravidão como algo “benéfico” para os descendentes de escravos, ou ainda Ricardo Alvim, retirado do cargo de secretário da Cultura após ter parafraseado o chefe da propaganda nazista em um discurso.
Apesar disso, ponderam as historiadoras, “a cultura brasileira resiste”. Segundo elas, “nesses tempos de crise e de recuo da democracia, a criação impressiona por sua vitalidade e seu poder de transgressão”.
Prova disso, apontam, é a indicação do filme Democracia em Vertigem para o Oscar de melhor documentário. Mas o artigo termina questionando: até quando essa resistência vai aguentar?
// RFI
À parte o festival de mentiras da reportagem, uma pergunta: como a cultura das várias nações sobreviveu sessenta séculos sem o financiamento público e sem o apoio dos governos?