Chineses acusam governo de usar epidemia de coronavírus para prender dissidentes

No momento em que a China enfrenta a epidemia do COVID-19 que já causou 2 mil mortes e infectou 74 mil pessoas no país, o mundo se pergunta se a crise reforça ou, pelo contrário, enfraquece o regime de Pequim.

Críticas ao regime têm inundado as redes sociais e há denúncias de que o governo se aproveita da instabilidade para prender seus opositores.

“A maneira como a China respondeu à crise tem aspectos positivos e negativos, mas ambos são marcados pelo autoritarismo do regime: controle da informação, controle da população e recusa de cooperação internacional para proteção da imagem do país no exterior”, explica Nicholas Bequelin, diretor do escritório Ásia da ONG Anistia Internacional.

“Lembremos que a China, no início, tentou minimizar e esconder a amplitude da epidemia e a severidade do vírus”, completa.

“Sabemos que o governo está preocupado com o custo econômico da restrição de mobilidade de pessoas, e há um ponto de interrogação sobre a credibilidade e a veracidade das informações que vêm a público, sobretudo num momento em que sabemos que o governo prendeu, secretamente, um certo número de pessoas dispostas a denunciar a realidade e que há uma campanha de propaganda para justificar suas ações”, acrescenta o pesquisador.

Chance para silenciar opositores

Reportagem do jornal francês Le Monde desta quarta-feira (19) denuncia que, em nome do combate ao COVID-19, o regime chinês aproveita para prender opositores. Pelo menos duas figuras contrárias às ideias do Partido Comunista foram interpeladas recentemente.

Xu Zhiyong, militante dos direitos humanos, de 46 anos, foi preso. Ele era procurado pela polícia desde que havia participado de uma reunião clandestina com alguns juristas sobre “a transição democrática na China”, em dezembro de 2019.

O regime já acompanhava suas ações havia mais tempo. Desde 2003, Xu Zhiyong milita por um Estado de direito na China, tendo sido um dos fundadores da instituição “Open Constitution Iniciative”, julgada ilegal e fechada pelas autoridades em 2009.

Em 2012, ele criou um movimento de novos cidadãos. Foi detido em 2013, condenado a quatro anos de prisão por desordem pública. Liberado em julho de 2017, Xu Zhiyong continuou a lutar por mais liberdade em seu país e a denunciar a corrupção.

“O grande projeto de governança chinês é um controle e monitoramento da população em tempo real e onipresente, não só na saúde pública, mas também nos planos social, político e financeiro”, observa Nicholas Bequelin. “A resposta de Pequim é mobilizar a inteligência artificial e a força do poder burocrático chinês para fazer o que o governo chama de controle social e que é baseado sobre um controle estrito da população e de cada indivíduo“, completa.

De acordo com o site “China Digital Times”, associações de defesa dos direitos humanos têm sido objeto de prisões e desaparecimentos de mais de uma dezena de militantes, só entre o último Natal e o Réveillon.

Outro chinês perseguido por suas ideias no contexto da crise sanitária é o professor universitário Xu Zhangrun. A pretexto de que estivesse em quarentena, o intelectual de renome é mantido em sua residência, em Pequim, sob vigilância e privado de comunicação com o mundo exterior.

Professor de direito na prestigiosa universidade de Tsinghua, Zhangrun entrou em evidência em julho de 2018, após ter publicado um texto criticando a reforma da Constituição adotada quatro meses antes, e que permitiu a permanência do líder Xi Jinping no poder.

Revolta nas redes sociais

O gerenciamento da crise do coronavírus pelas autoridades chinesas causou uma onda de insatisfação nas redes sociais. As críticas dizem respeito, principalmente, ao fortalecimento do controle da informação e visam a atingir o líder Xi Jinping.

Num tuíte, é possível ler a seguinte mensagem: “Em Wuhan, muitas pessoas são infectadas e morrem de coronavírus todos os dias. O Partido Comunista Chinês (CCP) ainda controla a mídia para impedir que as pessoas saibam da gravidade da epidemia. Devido à desinformação, muitas ainda vão às compras sem máscara”.

“A desconfiança da população em relação aos dirigentes é um fenômeno permanente na República Popular da China. Mas, normalmente, nós não conseguimos ver essas publicações de descontentes porque elas são rapidamente apagadas”, explicou à RFI Jean-Philippe Béja, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas científicas da França.

“Porém, dessa vez a gravidade da situação fez com que as redes sociais tenham sido inundadas dessas postagens e não foi possível contê-las. O que eu vejo de novidade é uma reivindicação por liberdade de informação e pelo direito de as pessoas se reunirem”, observa Béja.

O representante da Anistia Internacional concorda. “Vemos uma população na China que é extremamente crítica de seu governo, mas que não tem canais para se exprimir. Porém, cada vez que há crises importantes, vemos uma população que quer ter voz nas políticas públicas, que quer mais informação, mais liberdade de expressão, mas o poder do Partido Comunista é tão grande que geralmente consegue abafar essa contestação e manter seu poder com mão de ferro”, conclui Nicholas Bequelin.

// RFI

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