Após mais de 60 anos, a era castrista em Cuba finalmente chega ao fim. Raúl Castro se despede aos 89 anos da política e renuncia ao cargo de presidente do partido no congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) que começa em Havana nesta sexta-feira (16/04).
Em 2006, ele assumiu todos os cargos de seu irmão Fidel Castro, inicialmente de forma provisória e em 2008, definitivamente. Será que a mudança de geração mudará a política cubana?
Mesmo que 2021 pudesse se tornar um ano importante na história da ilha comunista caribenha, Cuba ainda parece impensável sem os Castro, sob cuja liderança os revolucionários cubanos conquistaram a capital Havana em 1º de janeiro de 1959, pondo fim à ditadura do governante apoiado pelos Estados Unidos Fulgencio Batista.
Raúl Castro estava entre os combatentes de primeira hora. A revolução uniu os dois irmãos ideológica e politicamente e levou a uma cooperação vitalícia. Raúl Castro sempre foi ofuscado por Fidel, mas a partir de 1959 deu sua contribuição ao “socialismo tropical”, como ministro das Forças Armadas Revolucionárias e vice-presidente do Conselho de Estado.
Também foi Raúl Castro quem implementou a reaproximação de Cuba com a União Soviética após a revolução. Moscou estabeleceu relações diplomáticas com o país comunista já em 1960. Depois que os EUA baniram, em outubro de 1960, as exportações de petróleo para Cuba e todas as importações de itens cubanos pelos EUA, Moscou se destacou no meio da Guerra Fria como uma importante potência protetora econômica e política.
Embargo em 1960
O bloqueio comercial dos Estados Unidos contra Cuba, até hoje em vigor, começou com o embargo imposto em outubro de 1960. O então presidente dos EUA, Dwight D. Eisenhower, impôs o embargo em retaliação à expropriação sem indenização de fazendas, bancos e refinarias dos Estados Unidos em Cuba.
O que começou com a proibição de exportação de petróleo dos EUA para Cuba e a proibição de importação de açúcar cubano para os EUA se expandiu cada vez mais nos anos seguintes e intensificou os gargalos de abastecimento na ilha.
Em 1992, o Congresso dos Estados Unidos endureceu o embargo com a chamada “Lei da Democracia Cubana”. A lei estipulava que as empresas americanas não podiam mais negociar com Cuba também em países terceiros e que a maioria dos voos charter entre Miami e Havana deveria ser suspensa.
Um ano depois, a Assembleia Geral da ONU pediu aos Estados Unidos, por 88 votos a favor e 57 abstenções, a suspensão do embargo. Mas Washington negou. Em novembro de 2018, a Assembleia Geral da ONU votou novamente pelo fim das sanções. Mas o que aconteceu foi o contrário.
Sob o presidente americano Donald Trump, as sanções contra Cuba ficaram ainda mais severas. Trump não apenas frustrou as esperanças de um fim ao embargo, mas também de uma reaproximação entre os dois países.
Poucos anos antes, tudo parecia completamente diferente: com intermédio do papa Francisco, ocorreu em 2014 um intercâmbio pessoal entre Raúl Castro e o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que levou à retomada das relações diplomáticas entre os dois países em 20 de julho de 2015.
Reaproximação
Em 20 de março de 2016, Obama se tornou o primeiro presidente dos Estados Unidos em 88 anos a fazer uma visita de Estado a Havana e foi recebido com entusiasmo. Ele relaxou algumas restrições ao embargo dos EUA cuja decisão não dependia da aprovação do Congresso dos EUA. Ele facilitou viagens para os cidadãos americanos e investimentos para as empresas americanas. E também removeu Cuba da lista americana de países terroristas.
Especialistas em Cuba como Bert Hoffmann, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), vêm apontando há anos os efeitos contraproducentes do embargo, argumentando que ele não só ajudou os irmãos Castro a consolidarem seu poder, já que justificaram seu governo autoritário com o perigo iminente dos EUA.
O bloqueio também contribui para que as empresas americanas percam o mercado nas imediações para concorrentes originárias da Rússia e da China. A chinesa Huawei, por exemplo, está envolvida na expansão da infraestrutura de internet em Cuba.
À beira do colapso
Após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, Cuba estava à beira do colapso econômico. Entre 1989 e 1992, a economia do país encolheu 50%, cortes de energia e gargalos no fornecimento estavam na ordem do dia, e as fábricas tiveram que fechar. Neste chamado “período especial”, os irmãos Castro viram-se obrigados a abrir a economia à iniciativa privada e a permitir as chamadas feiras livres, que na realidade estavam proibidas desde 1986.
Durante este “período especial”, Cuba recebeu a visita do papa João Paulo 2°, em 21 de janeiro de 1998. O encontro do anticomunista polonês do Vaticano com Fidel Castro foi considerado uma sensação. Castro estava procurava no papa um aliado em sua luta contra o capitalismo e os poderosos EUA e estava pronto para fazer algumas concessões por isso.
Assim, o “comandante en jefe” e ateu declarado reintroduziu os feriados de Natal antes da chegada do papa e libertou centenas de dissidentes. A posição da Igreja Católica foi fortalecida pela visita. Entre outras coisas, ela pôde usufruir de escassos suprimentos de papel e imprimir comunicados paroquiais, que também ofereciam uma plataforma às forças da oposição na ilha. Como resultado, ela se tornou uma mediadora entre o governo e a oposição.
A mediação para a aproximação entre Raúl Castro e Obama, por meio do papa Francisco, mostrou de forma impressionante como a linha entre Havana e o Vaticano pode funcionar. Como então vice-presidente, Joe Biden apoiou a reaproximação entre Washington e Havana. Como católico e apoiador do papa Francisco, Biden também cita repetidamente as posições do papa sobre as mudanças climáticas e a solidariedade com os pobres e refugiados.
O especialista em Cuba Günther Maihold, do Instituto de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), com sede em Berlim, avalia que a política cubana de Biden deve ter “uma influência decisiva sobre a rapidez e a forma com que a mudança ocorrerá após Raúl Castro sair da cena política em Cuba”.
Guantánamo
Biden definitivamente vai querer concluir um projeto do antecessor Obama: o fechamento do polêmico campo de prisioneiros de Guantánamo, criado em 2002 na base naval da Baía de Guantánamo. A área foi arrendada aos Estados Unidos pelo Estado cubano em 1903, mas Havana considera o contrato inválido. Existem atualmente cerca de 40 presos no lugar. Biden depende da aprovação do Congresso americano para fechar o campo de prisioneiros.
Enquanto uma “velha raposa” se mudou para a Casa Branca nos EUA, uma mudança de geração está ocorrendo em Cuba, após 62 anos do regime dos irmãos Castro. O novo chefe do Partido Comunista de Cuba, a ser eleito no 8º Congresso do PCC, não terá o nome Castro. A ilha socialista terá que encontrar um novo rumo em meio à pandemia, à crise econômica e à reforma monetária.
E terá que defender um dos legados mais importantes e mundialmente reconhecidos da revolução: o sistema de saúde cubano. Ele não apenas colocou Cuba em pé de igualdade com os países industrializados ricos em todos os indicadores sanitários. Também contribuiu para que médicos e enfermeiros cubanos sejam empregados no combate de epidemias em todo o mundo.
Ciberia // Deutsche Welle