Descoberta rara em túmulo da Idade do Bronze nos faz reconsiderar a História grega

Quando pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos EUA, descobriram o túmulo de um guerreiro da Idade do Bronze, intocado por mais de 3.500 anos e recheado de joias preciosas, armas e outras riquezas, o mundo da arqueologia foi à loucura.

Agora, um ano depois da escavação da sepultura, os cientistas da Universidade de Cincinnati explicam que ela fornece uma nova perspectiva sobre as origens da civilização grega.

Shari Stocker e Jack Davis, principais autores do estudo, junto com outros especialistas da Idade do Bronze, se depararam com o túmulo imperturbado em maio do ano passado na cidade de Pylos, uma cidade antiga na costa sudoeste da Grécia.

O túmulo estava próximo ao Palácio de Nestor, grande centro administrativo destruído pelo fogo por volta de 1180 a.C., apesar de ainda ser o palácio da Idade do Bronze mais bem preservado da Grécia continental.

Dentro dele, estavam os restos bem preservados do que se acredita ter sido um guerreiro ou sacerdote micênico poderoso, com 30 e poucos anos, que teria morrido por volta de 1500 a.C..

Além do guerreiro, havia mais de dois mil objetos dispostos sobre e ao redor do corpo, incluindo quatro anéis de ouro sólido, taças de prata, pérolas, pentes de marfim e uma espada, entre outras armas.

O esqueleto foi apelidado de “Guerreiro Grifo” devido à descoberta de uma placa de marfim decorada com um grifo, um animal mítico com o corpo de um leão e cabeça e asas de águia, enterrada com ele.

Minoicos x micênicos

De acordo com os pesquisadores, a sepultura revela novas informações sobre a civilização micênica, durante um período de transformação na Idade do Bronze.

Um número significativo de artefatos encontrados no túmulo do guerreiro foi feito por minoicos, uma civilização culturalmente dominante em relação aos micênicos que surgiu na grande ilha de Creta, ao sudeste de Pylos.

Como, então, um homem do continente grego acumularia um grande tesouro minoico?

Uma teoria de longa data é que os gregos de Micenas importaram ou roubaram riquezas da afluente civilização minoica, não grega. O túmulo é justamente da época em que os micênicos estavam conquistando os minoicos.

“Nós sabemos que houve extensos ataques e logo após a data da nossa sepultura Creta caiu para os micênicos”, disse Stocker ao portal Phys.org.

No entanto, a pesquisadora e seus colegas creem que os artefatos encontrados com o guerreiro sugerem uma partilha cultural muito maior entre as civilizações antigas do que mera pilhagem.

O Senhor dos Anéis

A teoria dos pesquisadores é de que os itens cuidadosamente selecionados e colocados em volta do corpo revelam muito sobre a relação da cultura grega continental em expansão com a cultura mais refinada de Creta.

A descoberta de quatro anéis de ouro com iconografia minoica altamente detalhada oferece um dos melhores exemplos dessa transferência cultural. Os anéis foram criados a partir de várias folhas de ouro e apresentam referências de arte e religião minoicas.

O primeiro anel mostra uma cena de uma pessoa pulando um touro, um evento que era uma demonstração de destreza atlética e motivo comum em imagens minoicas. O segundo anel, o segundo maior de ouro conhecido no mundo Egeu, mostra cinco figuras femininas em um santuário à beira-mar.

O terceiro anel representa uma figura feminina, possivelmente uma deusa, segurando um bastão ao lado de dois pássaros no topo de uma montanha. O último anel mostra uma mulher oferecendo um chifre de touro para uma deusa segurando um espelho, sentada em um trono alto no topo do qual está situado um pássaro.

Transferência cultural e religiosa

Os anéis são impressionantes. O acabamento requintado em algo tão pequeno e antigo é uma prova da habilidade dos artesãos minoicos.

A descoberta desses anéis na sepultura de um guerreiro micênico levou os cientistas a se perguntarem se o povo de Micenas entendia os conceitos por trás da sua iconografia.

Depois de um ano de exame cuidadoso dos artefatos, Davis e Stocker agora dizem que sim.

“As pessoas têm sugerido que as descobertas na sepultura são como o tesouro do Barba Negra, que acabou enterrado junto com o morto como contrabando impressionante”, disse Davis ao portal Phys.org. “Nós pensamos que neste período as pessoas no continente já entendiam muito da iconografia religiosa nesses anéis, e já estavam aceitando os conceitos religiosos da ilha de Creta”.

Logo, mesmo que os itens tenham sido roubados, foram provavelmente selecionados especificamente por conta de seus significados.

Posicionamento importante

Os pesquisadores apontam para outros itens na sepultura que fazem referência a motivos religiosos e culturais minoicos.

Um espelho encontrado acima da perna do guerreiro pode dizer respeito ao quarto anel, em que uma deusa é retratada segurando um espelho. A colocação do objeto na sepultura sugere que ele tem um significado especial para os micênicos.

A presença de meia dúzia de pentes sugere uma prática ritual de pentear o cabelo antes da batalha.

O touro, um símbolo sagrado para os minoicos, também pode ser visto em imagens micênicas. No terceiro anel, uma deusa é caracterizada segurando um bastão com chifres, enquanto o quarto anel mostra uma oferenda de chifre de um touro. O touro também é destaque no primeiro anel.

Segundo Stocker e Davis, não é por acaso que o guerreiro foi encontrado enterrado com uma cabeça de touro em bronze, com chifres proeminentes, provavelmente um símbolo de seu poder e autoridade.

Túmulo raro

As descobertas, em conjunto, levaram os pesquisadores a uma nova compreensão do sistema de crença micênica nascente em um momento de transição, quando obras minoicas começaram a ganhar importância na Grécia continental.

Enquanto outras escavações em Micenas produziram riquezas ainda mais notáveis, a presença de vários cadáveres em sepulturas de grupos da elite micênica tornava difícil determinar quais itens foram enterrados com cada indivíduo e por quê.

O túmulo do guerreiro grifo contém apenas um esqueleto, o que permite formar uma imagem melhor de quem ele era, por que esses itens específicos foram selecionados para acompanhá-lo em sua jornada para o submundo, e o que essas descobertas revelam sobre os primórdios da civilização europeia.

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