Desmatamento da Amazônia e do Cerrado está concentrado em 2% das fazendas

Welington Pedro de Oliveira

Segundo estudo publicado na revista “Science”, tais fazendas de gado são “laranjas podres” do agronegócio brasileiro. Dados de 2008 a 2019 identificam 2,4 milhões de hectares desmatados ilegalmente nessas duas regiões.

Sessenta e dois por cento do desmatamento ilegal ocorrido nas regiões de Amazônia e Cerrado, no Brasil, ocorrem em apenas 2% das propriedades rurais dessas áreas, em fazendas onde há produção de soja e de gado bovino, concluiu um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado na edição desta semana da revista científica Science.

No total, considerando dados de 2008 a 2019, foram identificados 2,4 milhões de hectares desmatados irregularmente na Amazônia e no Cerrado – 16 vezes o tamanho do município de São Paulo ou um pouco mais do que a área da Eslovênia.

Além dos cientistas da UFMG, o estudo contou ainda com pesquisadores da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, de Nazaré Paulista; da Universidade de Bonn, na Alemanha; da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos; e do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia.

Conforme declarou à DW Brasil o biólogo Felipe Nunes, diretor do Centro de Inteligência Territorial e pesquisador da UFMG, a pesquisa “evidencia que poucas e grandes propriedades rurais são responsáveis por grande parte do desmatamento que ocorre à margem da lei”.

Ele lembra que isso, por causar “imenso impacto socioambiental em uma das regiões mais biodiversas do planeta, está afetando a imagem de todo um setor econômico”. Para os pesquisadores, o cenário mostra as “laranjas podres” que estragam o agronegócio brasileiro – ou “maçãs podres”, na tradução literal do texto da Science.

“Isso nos permite inferir que, caso haja uma fiscalização direcionada a essa minoria – e que resulte em punições efetivas –, o Brasil atacará grande parte do problema”, ressalta Nunes. “E, o mais importante, passará uma mensagem importante à sociedade: de que os poucos que insistem em cometer ilegalidades estão sendo vistos e serão punidos conforme prevê a legislação ambiental brasileira.”

Economista especializado em agricultura, o professor Jan Börner, da Universidade de Bonn, destacou à DW Brasil que o estudo demonstra que são poucos os grandes culpados pelo desmatamento no país – e, ao mesmo tempo, a concentração de terras nas mãos de um grupo reduzido é fato notório.

“Ambas as questões estão relacionadas”, afirma. “Quando você tem uma alta concentração de terra [com poucos donos], a possibilidade de observar desmatamento em poucas propriedades aumenta.”

O estudo indica que de 18% a 22% dos produtos brasileiros exportados para a União Europeia estão ligados ao desmatamento. E aponta que, no total, 15% das propriedades rurais da região foram desmatadas desde 2008. Metade obedecendo a legislação, e a outra metade de forma ilegal – desrespeitando reservas ou áreas de mananciais.

Para realizar o trabalho, os pesquisadores cruzaram informações do Cadastro Ambiental Rural com mapas e outras bases de dados. Foram analisadas, no total, 815 mil propriedades rurais brasileiras.

“Foi feito um amplo trabalho de coleta, processamento, análise e modelagem de dados econômicos e ambientais. Para isso criamos um banco de dados reunindo diversas informações sobre uso da terra, malha fundiária, legislação ambiental, produção agrícola e exportações para então analisar e conectar a legislação ambiental à produção e exportação de commodities”, diz à DW Brasil o geólogo Britaldo Soares Filho, professor da UFMG. “Para isso, nos apoiamos em ferramentas de ponta para desenvolver modelos computacionais capazes de lidar com a quantidade de dados que um estudo deste porte requer.”

O trabalho considerou desmatamento ilegal todo aquele que foi realizado sem a emissão de licença para o desmate – mesmo que, em tese, pudesse estar em conformidade com a legislação. “Sendo assim, alguns que potencialmente seriam legais podem ser também ilegais”, esclarece o cientista da computação Raoni Rajão, também professor da UFMG.

// DW

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