Documentos oficiais mostram que a China escondeu informações sobre a Covid-19

Narendra Shrestha / EPA

Relatórios oficiais chineses teriam sido transmitidos à rede de TV americana CNN por meio de um informador anônimo. A investigação se chama “Wuhan files” e tem como foco o começo da pandemia de Covid-19, em fevereiro de 2020.

Os documentos revelam um sistema de saúde regional caótico e sem financiamentos, longe do modelo exemplar apresentado por Pequim.

O vazamento revelado pela televisão americana é sem precedentes. O relatório de 117 páginas é proveniente do Centro provincial de controle e de prevenção de doenças de Hubei. Segundo a CNN, os documentos recebidos foram analisados por especialistas independentes que confirmaram sua autenticidade.

Desde o começo da pandemia, a China apresenta sua gestão da crise como exemplar. Durante uma coletiva com a imprensa em 7 de junho, o conselho de Estado chinês afirmou que o governo sempre publicou informações sobre a epidemia de maneira aberta e transparente. Mas, de acordo com a CNN, Pequim não teria compartilhado com o resto do mundo todas as informações que tinha sobre a Covid-19.

Número de casos

O sistema de contagem das autoridades chinesas subestimou, de maneira sistemática, os números da doença, confirmando desconfiança de especialistas. Nos relatórios revelados, as autoridades da província de Hubei contabilizaram 5.918 novos casos em 10 de fevereiro, ou seja, mais que o dobro do número anunciado oficialmente nesta data (2.478).

A CNN demonstra como os documentos oficiais, com os valores corretos, circularam internamente, sem o conhecimento do grande público e do resto do mundo. Em 10 de fevereiro, somente dois terços dos casos declarados, confirmados ou suspeitos, foram anunciados publicamente.

Em 7 de março, novamente, as contaminações foram minimizadas. Da aparição do vírus até está data, somente 86% dos casos foram oficialmente repertoriados.

Diagnósticos lentos e sistema de saúde caótico

Outro relatório do começo de março, que estava entre os documentos obtidos pela CNN, afirma que o tempo médio entre a aparição dos sintomas do Sars-Cov-2 e a confirmação do diagnóstico pelo sistema médico era de 23,3 dias.

Segundo especialistas entrevistados pela rede de televisão, estes prazos dificultaram o acompanhamento e o combate à doença.

O que aparece na investigação de Nick Paton Walsh, jornalista especializado em segurança internacional na CNN, é que o sistema de saúde da província de Hubei enfrentou com poucos meios uma nova pandemia desconhecida.

O sistema de testes e de transmissão de informação não estavam à altura da crise. Os documentos, que cobrem um período entre outubro de 2019 e abril de 2020 revelam um sistema de saúde “inflexível, limitado pela burocracia e procedimentos rígidos, sem equipamentos para enfrentar uma crise emergente”

Os documentos incluem uma auditoria interna, que foi escrita em outubro de 2019, antes da pandemia, onde é relatado que “uma grande falta de profissionais e financiamentos afetou seriamente as performances do sistema de saúde pública”.

Estas revelações contradizem a atitude do presidente chinês Xi Jinping que se apresentou diante de equipes médicas de um hospital da região em 10 de fevereiro.

Casos suspeitos em outubro de 2019

Os documentos revelam também o aparecimento inabitual de casos de gripe durante uma semana, a partir de 2 de dezembro, na província de Hubei. O aumento, 20 vezes superior em relação à mesma época do ano anterior, não atinge a cidade de Wuhan, mas municípios próximos como Yichang e Xianning.

O Centro de pesquisa e detecção de doenças de Wuhan investigou os casos de gripe e encontrou dois pacientes em outubro de 2019, em hospitais da cidade. Apesar de não existir um vínculo estabelecido entre estes casos e a Covid-19, um especialista entrevistado pela CNN afirma que o pico da gripe poderia ter acelerado a progressão do coronavírus.

O governo chinês apontou o mercado de peixes e animais silvestres em Wuhan como o epicentro da crise, em dezembro. Esta afirmação é questionada por um estudo da revista Lancet, que determinou que um terço das 41 primeiras pessoas infectadas não tinha nenhuma ligação com o mercado.

Morte de médicos

Outro relatório fala sobre as mortes de seis membros do corpo médico, em 10 de fevereiro de 2020, que não foram informadas. Uma questão sensível para o governo chinês, já que os médicos usavam as redes sociais para informar sobre a doença e recebiam apoio.

No fim de dezembro, Li Wenliang, médico que trabalhava em um dos principais hospitais de Wuhan, foi repreendido por autoridades locais e perseguido pela polícia por tentar alertar sobre um vírus potencialmente similar ao Sars. Ao mesmo tempo, a imprensa chinesa advertia a população sobre a existência de “rumores”.

Wenliang contraiu a Covid-19 e morreu em 7 de fevereiro. A morte do médico provocou indignação nas redes sociais. A CNN admite que é difícil saber se as autoridades centrais chinesas sabiam o que acontecia na província de Hubei. Os documentos não mostram se Pequim emitia ordens para ações locais.

// RFI

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