A pandemia de Covid-19, que matou até o momento mais de 3,3 milhões de pessoas e devastou a economia mundial, “poderia ter sido evitada”. Essa foi a conclusão de um painel de especialistas independentes estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – mas o grupo não aponta nenhum culpado.
Em um relatório publicado nesta quarta-feira (12), os especialistas denunciam o que qualificaram de verdadeiro “Chernobyl do século 21” e pedem de maneira urgente amplas reformas dos sistemas de alerta e prevenção de novas epidemias.
“A situação em que nos encontramos hoje poderia ter sido evitada“, afirmou uma da copresidentes do painel, Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente da Libéria.
Apesar de severo, o relatório dos especialistas não aponta diretamente nenhum culpado, e sim um conjunto de erros. “A situação se deve a uma miríade de fracassos, lacunas e atrasos na preparação e resposta à pandemia”, destacou Sirleaf, em uma entrevista coletiva. “É evidente que a combinação de más decisões estratégicas, de falta de vontade para abordar as desigualdades e de um sistema mal coordenado criou um coquetel tóxico que permitiu à pandemia virar uma crise humana catastrófica”, destaca o texto.
“Atrasos em todos os lugares”
Estabelecido pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em aplicação a uma resolução aprovada em maio de 2020 pelos Estados-membros da organização, o grupo independente, formado por 13 especialistas, passou os últimos oito meses examinando a propagação da pandemia e as medidas adotadas pelo organismo e os países para enfrentar a doença.
Desde o início do surto, a OMS foi criticada por suas respostas à crise, principalmente pela demora a recomendar o uso de máscara. A organização foi acusada pelos Estados Unidos de ter sido extremamente complacente com a China, onde surgiu o novo coronavírus, e de ter demorado a declarar estado de emergência de saúde mundial. O governo chinês, por sua parte, foi acusado de tentar camuflar a epidemia.
“Com certeza podemos dizer que aconteceram atrasos na China, mas aconteceram atrasos em todos os lugares”, disse a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia Helen Clark, também copresidente do painel de especialistas.
“Passou muito tempo”, destaca o grupo, entre a notificação de um foco epidêmico de pneumonia de origem desconhecida na segunda quinzena de dezembro de 2019 e a declaração, em 30 de janeiro pela OMS, de uma emergência de saúde pública de alcance internacional, o mais elevado nível de alerta.
De acordo com os especialistas, esta declaração poderia ter sido feita desde a primeira reunião do Comitê de Emergência da OMS em 22 de janeiro. Porém, mesmo que a OMS tivesse declarado emergência sanitária uma semana antes, as coisas não teriam mudado muito diante da “inação de tantos países“, reconheceu Clark.
Isso porque apenas em 11 de março, quando o diretor-geral da OMS classificou a situação como pandemia, os governos compreenderam realmente o perigo.
Mesmo assim, “quando a OMS declarou urgência sanitária mundial, ela disse que não era necessário impor restrições às viagens. É preciso se dar conta que não estamos mais da Idade Média. Antes as doenças se dispersavam [com viajantes] a pé ou a cavalo. Hoje não é mais o caso”, disse Clark.
Negacionismo contribuiu para atraso na resposta à pandemia
Neste sentido, fevereiro de 2020 foi um “mês perdido”, durante o qual muitos países poderiam ter adotado medidas para deter a propagação do vírus. “Atrasos, hesitações e negacionismo” permitiram a explosão da epidemia e depois pandemia, concluiu o relatório.
O grupo de especialistas recomenda aos governos e à comunidade internacional a adoção, sem demora, de um conjunto de reformas para transformar o sistema mundial de preparação, alerta e resposta às pandemias.
Para isso, o relatório propõe várias medidas, incluindo a criação de um Conselho Mundial de Luta contra as Ameaças Sanitárias, assim como um novo sistema mundial de vigilância baseado na “transparência total“. Este sistema daria à OMS o poder de publicar de maneira imediata informações sobre epidemias que podem virar pandemias, sem a necessidade de solicitar a aprovação dos países.
O relatório também faz uma série de recomendações de aplicação imediata para acabar com a propagação da Covid-19, com pedidos em particular aos países ricos para que distribuam mais de dois bilhões de doses de vacinas até meados de 2022, com pelo menos um bilhão antes de setembro.
// RFI