Rede social parece ter dado a empresário alternativa para enfrentar apoio maciço da mídia tradicional a Hillary Clinton, mas também despertou debate ético.
Nos Estados Unidos, a mídia impressa leva muito a sério seu papel no processo democrático. Quando chega o momento de uma eleição presidencial, jornais e revistas acreditam que seu apoio formal a um ou outro candidato é repleto de significância, e que suas recomendações serão analisadas com seriedade por seus leitores.
Bem, nós agora sabemos que não é bem assim – praticamente todos os grandes jornais dos EUA ou declararam apoio a Hillary Clinton ou deixaram de endossar Donald Trump na campanha de 2016. E isso inclui veículos de mídia que no passado foram fiéis a candidatos do Partido Republicano.
Na verdade, a mídia impressa americana, assim como os veículos de TV, estão despertando para o fato de que sua influência pode ser mínima em comparação com o Facebook.
Em 1992, na eleição-geral do Reino Unido, o tablóide The Sun gabou-se de ter “vencido” a eleção para o Partido Conservador, que estava em situação delicada na disputa com os trabalhistas. Nos EUA, agora, há quem pergunte se a rede social mais popular do mundo não fez o mesmo no triunfo de Trump.
Eis o argumento principal: 156 milhões de americanos têm contas no Facebook e, de acordo com pesquisas, pelo menos dois terços deles usam a rede social como fonte primária de notícias.
Essas notícias podem, volta e meia, vir de veículos mais tradicionais de mídia – incluindo os jornais que endossaram Hillary. Mas o que cada usuário vai ver dependerá de quem são seus amigos e do que eles compartilham.
Daí vem a noção de uma “bolha”: pessoas que estavam inclinadas a votar em Trump na eleição da última terça-feira apenas viram histórias que refletiam sua visão do mundo. E o mesmo se deu com aqueles que simpatizavam com Hillary.
O peso das notícias falsas
É claro que podemos dizer que esse tipo de filtragem sempre ocorreu – pessoas de orientação liberal tendiam a ler jornais liberais. Pessoas mais conservadores encontravam suas ideias refletidas pelo que liam.
A diferença é que a maioria dos editores tentava fazer duas coisas – apresentar ao menos algumas opiniões alternativas e assegurar que os fatos de qualquer história fossem checados.
O Facebook não leva a cabo nenhum desses dois procedimentos. O algoritmo do feed de notícias veicula o que “pensa” ser a sua opinião e a de seus amigos e certamente não checa fatos.
Um exemplo é que, durante a campanha presidencial americana, histórias falsas acusando Hillary de assassinato ou que “revelavam que o presidente Barack Obama é muçulmano” apareceram nas páginas de pessoas com tendência de apoio a Trump.
Também ocorreu o contrário. Um falsa declaração supostamente feita pelo bilionário em 1998, em que ele dizia que seria simples ser candidato pelo Partido Republicano “porque seus eleitores são burros”, continua circulando na rede social graças ao compartilhamento de americanos que não gostam de Trump.
Os dois grandes partidos americanos (Democrata e Republicano) vêm usando extensivamente o Facebook como arma eleitoral nos últimos anos.
Porém, para Trump, as redes sociais ofereceram uma maneira poderosa de levar sua mensagem diretamente ao eleitorado. Ainda mais porque sua campanha considerava a maior parte da mídia tradicional como hostil e parcial.
É possível dizer que, sem o Facebook, Trump não seria o próximo ocupante da Casa Branca?
É difícil responder, mas parece provável que as mídias sociais serviram para polarizar opiniões em uma campanha eleitoral já acalorada. E que podem ter ajudado a trazer eleitores indecisos para o lado do bilionário.
E isso questiona a alegação do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, de que a rede social se trata apenas de uma plataforma tecnológica, não de uma poderosa empresa de mídia.
Mas há alguns sinais de que o Facebook está pronto para encarar essa imensa responsabilidade ou ao menos refletir sobre os recentes eventos.
Na quarta-feira, a jornalista da BBC Jane Wakefield entrevistou o diretor de Tecnologia da empresa, Mike Schroepfer, durante uma passagem por Londres. E ela perguntou a Schroepfer qual o papel que, na sua opinião, a mídia social tinha desempenhado na eleição.
“É difícil especular. Nossa premissa é que as pessoas podem publicar e comunicar o que elas querem discutir”, disse o executivo.
Mas Zuckerberg também falou. Em um post revelando o sentimento de “estar esperançoso” – e com uma foto dele segurando sua filha bebê enquanto assistia à cobertura da eleição – o criador do Facebook contou-nos que estava “pensando em todo o trabalho à frente para criarmos o mundo que queremos para nossas crianças”.
Zuckerberg falou especificamente em curar doenças, melhorar a educação, conectar as pessoas e promover oportunidades iguais – e definiu esta missão como “maior do que qualquer presidência”.
Nos comentários, diversas pessoas pareceram apreciar o pensamento de Zuckerberg. “Obrigado por estar usando sua influência para o bem” foi uma resposta típica.
Mas Zuckerberg não apresentou ainda uma reflexão sobre como ele influenciou a maneira como americanos viram a campanha eleitoral e seu impacto foi positivo para o processo democrático. Magnatas da mídia ao longo da história, como William Randolph Hearst e Rupert Murdoch, vem tentando dominar a política. E se orgulharam desse poder.
Mas Mark Zuckerberg parece determinado a fingir que ele não é nem mais nem menos influente que qualquer uma das 1,6 bilhão de pessoas que são suas “leitoras”.
E que nos últimos dias viram o mundo mudar.
// BBC