Falhas na memória podem ser importantes para funcionamento do cérebro

Andrew W / Flickr

Qual foi o ganhador do Oscar de Melhor Filme em 1972? Se você acertou de primeira (sem apelar para o Google), parabéns. Mas poderia ser melhor não ter lembrado: um estudo de cientistas canadenses sugere que o esquecimento pode ser importante para a manutenção da memória.

O argumento é que “deletar” informações irrelevantes ajuda o cérebro a se concentrar em aspectos que possam ajudar a tomada de decisões no dia a dia. “O verdadeiro papel da memória é otimizar o processo decisório”, diz Blake Richards, cientista da Universidade de Toronto e principal autor do novo trabalho, à BBC.

Segundo Richards, o grosso das pesquisas em neurobiologia relacionadas à memória prioriza os mecanismos celulares de armazenamento de informações pelo cérebro, um processo conhecido como persistência. E pouca atenção é dada ao mecanismos responsáveis pelo processo de esquecimento: transiência.

Também é comum que a falta de habilidade para lembrar seja atribuída a uma falha no armazenamento e acionamento de informações pelo cérebro. “Encontramos bastante evidência de que há mecanismos promovendo a perda de memória e que são distintos dos envolvidos no armazenamento de informações”, diz Paul Frankland, outro cientista participando do estudo.

Frankland explica que um outro experimento realizado por seu laboratório no hospital infantil SickKids constatou que o crescimento de novos neurônios no hipocampo (estrutura cerebral considerada a principal sede da memória) parece promover o esquecimento. Em pessoas jovens, essa é área do cérebro que gera mais células.

Tal mecanismo pode explicar por que adultos normalmente não têm memórias para eventos ocorridos antes dos 4 anos de idade.

Em um texto publicado na revista científica Neuron, os cientistas canadenses fazem também referência a um experimento em ratos colocados em labirintos, que tiveram menos dificuldades para encontrar saídas diferentes quando foram drogados para esquecer a localização da saída anterior.

Richards explica que há duas grandes razões para explicar por que o cérebro gasta energia para deletar informações depois de também consumir reservas para armazená-las. A primeira é a necessidade de eliminar informações ultrapassadas. “Se você está navegando pelo mundo e seu cérebro está constantemente carregando memórias conflitantes, isso tornará mais difícil tomar uma decisão consciente”, diz.

A outra razão está ligada a um conceito usado em projetos de inteligência artificial, a regularização. Consiste em tentar fazer com que computadores aprendam a fazer generalizações com base em grande quantidade de dados. Para fazer isso, é necessário esquecer detalhes nos dados para priorizar a informação necessária para decisões.

“A melhor coisa para a memória não é guardar absolutamente tudo. Se você está tentando tomar uma decisão, isso será impossível se seu cérebro é constantemente bombardeado com informações inúteis“, diz Richards.

O cientista canadense questiona ainda o que chama de “idealização” de pessoas com boa memória. “O objetivo da memória não é ser capaz de lembrar quem ganhou o quê em 1972”, conclui.

E antes que caia no esquecimento: o Oscar em 1972 foi para o filme “Operação França”.

Ciberia // BBC

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