O governo de Jair Bolsonaro acendeu o alerta vermelho para instituições que trabalham no combate ao HIV e à aids e na assistência a pessoas portadoras do vírus. Algumas ações dos primeiros meses da nova gestão federal fizeram várias entidades preverem um futuro difícil, e algumas delas já emitiram notas questionando o rumo das políticas de saúde.
Embora o último boletim epidemiológico, divulgado em dezembro pelo Ministério da Saúde, tenha mostrado um grande aumento dos casos nos últimos 10 anos entre algumas parcelas da população, como homens de 15 a 29 anos, as campanhas estão cada vez mais tímidas.
“A situação já vinha sendo preocupante, mesmo antes de Bolsonaro chegar ao poder. Estávamos em sinal amarelo. Agora, já passamos para o vermelho. E pode se agravar”, alerta Vereno Terto, vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), uma das instituições que emitiu nota.
Outra entidade que se manifestou publicamente foi o Fórum das ONG/Aids de São Paulo (Foaesp), afirmando que os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro “foram marcados por retrocessos no âmbito dos direitos humanos”.
Também apreensivo, um grupo de especialistas lançou manifesto, elaborado pela Sociedade Paulista de Infectologia (SPI)com cobranças e recomendações ao Ministério da Saúde. Um dos pontos de preocupação das entidades é o veto de Bolsonaro a um projeto de lei que dispensava a reavaliação pericial de pessoas com HIV que se aposentaram por invalidez.
“O veto comprova que o presidente vai na contramão da saúde pública, implantando uma política que fere os direitos humanos das pessoas vivendo com aids”, afirma José Araújo, presidente da Associação Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada (EPAH).
O médico infectologista e diretor da SPI Evaldo Stanislau explica que muitas pessoas convivendo com o HIV foram aposentadas em períodos anteriores à terapia retroviral de alta eficácia ou já em uso dela, porém, com sequelas.
“Esta atitude gera danos graves, como abandono do tratamento, danos psíquicos, baixa autoestima e segregação. O valor da aposentadoria já não promove qualidade de vida, mas apenas sobreviver com muito pouco. A contabilidade é lógica, o custo por pessoa adoecida será maior para o Sistema Único de Saúde (SUS)”, analisa Américo Nunes Neto, diretor do Instituto Vida Nova Integração Social Educação e Cidadania.
Terto ressalta que são pessoas que estão fora do mercado de trabalho há muitos anos, e, portanto, ficaram desqualificadas, com mais dificuldades de encontrar um emprego. “É retirar um benefício sem dar uma contrapartida. O Brasil não tem nenhuma iniciativa para falar de aids no mercado de trabalho”, comenta. A decisão final sobre a revisão das aposentadorias está nas mãos do Congresso, mas as entidades não são otimistas quanto à derrubada do veto devido ao perfil conservador da bancada.
Outro ponto questionado pelas entidades é a fusão da tuberculose, hanseníase, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), aids e hepatites virais numa mesma esfera de gestão no Ministério da Saúde. Com o novo modelo, a União repassa um valor único para o tratamento de todas essas doenças, e não especificamente para cada uma como ocorria.
Em nota, o Foaesp afirma que a decisão “faz inchar uma máquina já cansada e sobrecarregada e, sem que haja acompanhamento orçamentário adequado e autonomia de ações, corremos o risco de perda de visibilidade de um problema social grave”. Além disso, a entidade afirma que unir as áreas não garante integração nem ações conjuntas.