Nos arredores da nossa galáxia desenrola-se uma guerra cósmica – e só o Telescópio Espacial Hubble pode ver quem está vencendo a batalha.
Os adversários são duas galáxias anãs, a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães e ambas orbitam a Via Láctea. Mas, à medida que giram em torno da nossa galáxia, também orbitam uma à outra. Uma puxa a outra, e uma delas puxou uma enorme nuvem de gás da companheira. Os resultados foram publicados em fevereiro no Astrophysical Journal.
Chamada de “Braço Principal” (“Leading Arm”), a coleção de gás liga as Nuvens de Magalhães à Via Láctea. Com aproximadamente metade do tamanho da nossa galáxia, pensa-se que a estrutura tenha entre 1 e 2 bilhões de anos. Seu nome deriva do fato de estar liderando o movimento das Nuvens de Magalhães.
A enorme concentração de gás está sendo devorada pela Via Láctea e alimentando o nascimento de novas estrelas na nossa galáxia. Mas qual das galáxias anãs puxa o gás que está agora servindo de banquete? Após anos de debate, os cientistas têm uma resposta para o mistério.
“Havia a pergunta: o gás veio da Grande ou da Pequena Nuvem de Magalhães? À primeira vista, parece que pode ser rastreado até a Grande Nuvem de Magalhães”, explicou o pesquisador Andrew Fox do STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland.
“Mas abordamos essa questão de maneira diferente, perguntando: do que é feito esse braço principal? Ele tem a composição da Grande ou da Pequena Nuvem de Magalhães?”
A pesquisa de Fox é uma continuação do seu trabalho de 2013, que se concentrou em uma característica por trás das Nuvens de Magalhães. Foi descoberto que o gás nesta estrutura parecida com uma fita, chamada de Fluxo de Magalhães, vinha de ambas as galáxias anãs.
Agora, Fox estava curioso em relação ao seu homólogo, o braço principal. Ao contrário do Fluxo de Magalhães por trás, esse “braço” esfarrapado e rasgado já atingiu a Via Láctea e sobreviveu à viagem até o disco galáctico.
O braço principal é um exemplo em tempo real da acreção de gás, o processo pelo qual o gás cai sobre as galáxias. Isso é muito difícil de observar fora da Via Láctea porque as outras galáxias estão muito distantes e são muito tênues.
“Como essas duas galáxias estão no nosso quintal cósmico, essencialmente estamos na primeira fila para assistir à ação”, afirma a colaboradora Kat Barger da Universidade Cristã do Texas.
Em um novo tipo de análise forense, Fox e sua equipe utilizaram a visão ultravioleta do Hubble para examinar quimicamente o gás no braço principal. Eles observaram a luz de sete quasares, os núcleos brilhantes de galáxias ativas que residem a milhares de milhões de anos-luz dessa nuvem de gás. Ao utilizar o instrumento CIS (Cosmic Origins Spectrograph) do Hubble, os cientistas mediram como essa luz é filtrada pela nuvem.
Em particular, eles procuraram a absorção de radiação ultravioleta pelo oxigênio e pelo enxofre na nuvem. Esses são bons indicadores de quantos elementos mais pesados residem no gás.
A equipe comparou então as medições do Hubble com medições do hidrogênio obtidas pelo Telescópio Robert C. Byrd Green Bank do Observatório Green Bank do NSF, na Virgínia Ocidental, bem como de vários outros radiotelescópios.
“Com a combinação das observações do Hubble e do Telescópio Green Bank, podemos medir a composição e a velocidade do gás para determinar qual das galáxias anãs é a culpada”, explicou Barger.
Depois de muitas análises, a equipe finalmente obteve as “impressões digitais” químicas conclusivas para combinar com a origem do gás do braço principal. “Descobrimos que o gás combina com a Pequena Nuvem de Magalhães,” comenta Fox. “Isso indica que a Grande Nuvem de Magalhães está ganhando a competição porque puxou muito gás da vizinha menor.”
A resposta só foi possível graças à capacidade ultravioleta exclusiva do Hubble. Por causa dos efeitos de filtragem da atmosfera da Terra, a radiação ultravioleta não pode ser estudada a partir do solo. “Todas as linhas de interesse, incluindo as do oxigênio e do enxofre, estão no ultravioleta. Se trabalharmos no ótico e no infravermelho, não as conseguimos ver”, diz o cientista.
O gás do braço principal cruza agora o disco da Via Láctea. Ao fazê-lo, interage com o próprio gás da galáxia, tornando-se fragmentado.
Esse é um estudo de caso importante de como o gás entra nas galáxias e alimenta o nascimento estelar.
Os astrônomos usam simulações para tentar entender o fluxo de gás em outras galáxias. Mas aqui o gás está sendo puxado em flagrante enquanto se move pelo disco da Via Láctea. No futuro, podem vir a nascer planetas e sistemas solares na nossa galáxia a partir do material que costumava fazer parte da Pequena Nuvem de Magalhães.
Enquanto Fox e sua equipe olham para frente, esperam mapear o tamanho total do braço principal – algo que ainda é desconhecido.