Elas roubam ovas de bacalhau, croquetes, arroz, medicamentos, frigideiras e roupa em liquidação, não tanto por necessidade financeira, mas por ser a garantia de que vão ficar bem instaladas na prisão. Essa é a nova e dramática tendência entre as mulheres idosas no Japão.
Em um país que tem a população mais idosa do mundo – 27,3% dos japoneses têm 65 anos ou mais –, a solidão dos mais velhos é um problema em crescendo. E muitos destes idosos estão se virando para o crime como uma alternativa para poderem usufruir da “estabilidade e da comunidade da prisão”, avança a Bloomberg.
Os números oficiais revelam um surpreendente aumento no “crime sênior”, com uma taxa de crescimento especialmente relevante entre as mulheres. Elas roubam coisas como Coca-Cola e bifes, ou croquetes e ovas de bacalhau, ou ainda medicamentos e roupa em oferta.
As dificuldades financeiras explicam alguns casos, mas em muitas situações é a solidão que motiva esses pequenos roubos que são feitos de forma reincidente.
Um inquérito realizado em 2017, em Tóquio, concluiu que mais de metade dos idosos flagrados roubando lojas vivem sozinhos, e 40% não têm família ou não mantêm contato com os familiares, conforme reporta a Bloomberg.
“A prisão é um oásis para mim”
Uma detenta, de 74 anos, que roubou Coca-Cola e suco de laranja, cumpre neste momento a terceira pena de prisão, relata a Bloomberg. Outra detida, de 78 anos, roubou bebidas energéticas, café, chá, uma manga e uma tigela de arroz e também está presa pela terceira vez.
“A prisão é um oásis para mim, um lugar para relaxamento e conforto. Não tenho liberdade, mas não tenho com o que me preocupar. Há muitas pessoas com quem falar. São fornecidas refeições nutritivas três vezes ao dia”, conta a detenta de 78 anos.
“Gosto mais da minha vida na prisão. Há sempre pessoas em volta e não me sinto sozinha”, diz outra detenta, de 80 anos0 que roubou um romance de bolso, croquetes e um ventilador de mão. Essa mulher, que também cumpre sua terceira pena de prisão, tem marido, dois filhos e seis netos, mas lamenta que se sentia “muito solitária” antes de ser presa.
“O meu marido me dava muito dinheiro e as pessoas me diziam sempre como eu era sortuda, mas o dinheiro não era o que eu queria. Não me fazia nada feliz”, diz a idosa de 80 anos, comentando que há 13, quando roubou um romance de bolso e foi interrogada “pelo policial mais doce” que já conhecera, sentiu que “era ouvida pela primeira vez na vida”.
Para outra detenta de 80 anos, cumprindo igualmente a terceira pena de prisão por roubar ovas de bacalhau, sementes e uma frigideira, foi “a ansiedade” que a levou para trás das grades.
“O meu marido teve um enfarte há cinco anos e está acamado desde então. Ele também tem demência e sofre de delírios e paranoia. Era muito pesado cuidar dele, fisicamente e emocionalmente, por causa da minha idade avançada. Mas não podia falar do meu estresse com ninguém porque tinha vergonha“, conta.
“Fui presa pela primeira vez quando tinha 70 anos. Roubei uma loja, tinha dinheiro na carteira. Mas pensei na minha vida. Não queria voltar para casa, e não tinha mais para onde ir. Pedir ajuda na prisão foi a única saída”, constata, concluindo que sua vida “é muito melhor” agora que está atrás das grades.
Aumento nos gastos preocupa o governo
Os relatos ajudam a entender aquele que é um problema cada vez mais dramático no seio da sociedade japonesa. Para lá das circunstâncias e dos desafios sociais envolvidos, o governo do país também está preocupado com o aumento dos gastos no setor prisional.
A Bloomberg dá conta do significativo aumento nos custos dos apoios médicos prestados aos detidos que, em 2015, ultrapassaram os 6 bilhões de yen (cerca de R$ 205 milhões). Trata-se de um crescimento de 80% em 10 anos, segundo a agência econômica japonesa.
Para os guardas prisionais, o aumento da população idosa que está nas cadeias é um desafio, já que, muitas vezes, eles têm que fazer o papel de cuidadores, lidando com situações de incontinência, por exemplo.
Ciberia // ZAP