Em março de 2011, parte da costa noroeste do Japão foi devastada por um forte terremoto seguido de um violento tsunami. Cerca de 16 mil pessoas morreram e 2,5 mil desapareceram.
Entre as vítimas estão mais de 400 moradores da pequena cidade de Otsuchi. Hoje, em meio a ruínas e obras de reconstrução do local, habitantes ainda vivem o luto pela perda de entes queridos.
Como resposta, um residente do lugar, Itaru Sasaki, vem oferecendo um poético curativo para as dores dos cidadãos de Otsuchi: ele instalou em seu jardim uma cabine telefônica e desde o terremoto vem convidando moradores a usarem o aparelho – que está desconectado – para conversar com os que partiram.
A reportagem é de Alessia Cerantola, do programa Outlook, do Serviço Mundial da BBC.
Bellgardia, Monte Kujira
“Todos vocês têm um passado. Vocês têm um presente e um futuro. Às vezes, conhecemos novas pessoas, às vezes, nos separamos dos que conhecemos”, diz Yuko Sasaki, esposa de Itaru, a um grupo de visitantes reunidos no jardim Bellgardia.
“O Telefone do Vento é um telefone para que possamos nos comunicar com essas pessoas. E você? Como você se comunica? Com palavras, ou por meio de uma carta, ou com seus olhos? O Telefone do Vento funciona por meio da mente”, ela explica.
“Feche os olhos em silêncio. Ouça com atenção. Se você ouvir o som do vento, de uma onda ou de um passarinho, abra seu coração. Seu sentimento vai alcançar aquela pessoa, com certeza.”
No topo do Monte Kujira, de onde se avista o oceano Pacífico, encontra-se um lindo jardim. E em meio às flores e à grama está uma cabine telefônica branca.
Todos os dias, faça chuva ou faça sol, e apesar do barulho causado pelas obras de reconstrução da cidade de Otsuchi, pessoas vêm usar o telefone para enviar suas mensagens aos que se foram. Ou simplesmente para tentar aliviar sua tristeza.
“Oi pai, aqui é o seu filho“, diz Yoshihisa Masuko, um visitante.
“Deve ter sido muito duro para você ficar preso em um campo de concentração na Sibéria. Recentemente, recebi informações do governo japonês sobre a sua morte. Faz 70 anos que sofro com isso. Minha mãe também morreu. Mas desde então, vivemos bem, eu e meus irmãos. Vou visitar o túmulo de minha mãe e darei suas notícias a ela”, continua.
“Ah, esqueci de dizer, meu irmão mais novo morreu no dia 31 de agosto, mas meu irmão mais velho e eu estamos bem. Cuide-se. Estou falando do Telefone do Vento. Vou telefonar de novo. Tchau.”
Instalação de arte
O dono do jardim é Itaru Sasaki, com 71 anos. Hoje desenhista de jardins, Sasaki trabalhou a vida inteira como metalúrgico.
“Comecei a planejar a cabine telefônica em 2009“, explica Sasaki. “Naquela época, meu primo tinha sido diagnosticado com câncer e os médicos tinham dado a ele três meses de vida.”
Tempos depois, no dia 11 de março de 2011 – o dia do terremoto – Sasaki estava em seu jardim, preprando as rosas para a chegada da primavera.
“Minha família estava dentro da casa. O terremoto foi tão forte que tive medo que o prédio caísse. Ia chamá-los, mas eles próprios saíram. Ficamos me frente à casa, receosos. ”
A casa de Sasaki fica 55 metros acima do nível do mar. O tsunami alcançou 20 metros, então ele e a família não foram diretamente afetados.
“Eu trouxe a cabine telefônica para o jardim como um objeto de arte. Mas depois, vieram a doença do meu primo e o desastre de 2011.”
“Mais de 18 mil pessoas morreram. Todas essas pessoas – o pai que foi trabalhar, as crianças que foram para a escola, as mães que terminaram seus afazeres domésticos e saíram para as compras – todas elas estavam cumprindo seus deveres”, diz Sasaki.
“Mas quando veio a noite, não puderam encontrar suas famílias novamente. E as famílias em luto talvez tivessem uma última coisa a dizer aos seus entes queridos”, acrescenta.
“Então, achei que era necessário conectar os sentimentos dos que partiram aos dos sobreviventes.”
Últimas palavras
Ele diz que a cabine originalmente era cinza, mas decidiu pintá-la de branco, e escolheu também um pigmento verde para o telhado. Para o topo, optou pelo desenho de uma igreja.
“Tudo isso junto, somado aos arredores, me dá a sensação de algo divino. Não tem uma linha telefônica, mas isso ajuda (o usuário da cabine) a se conectar aos sentimentos das pessoas que morreram”, afirma.
“Quando você perde uma pessoa importante para você e não consegue mais se conectar com ela, você sente um desespero.” Sasaki diz, no entanto, que não usou a cabine para conversar com seu primo.
“Ainda não falei com meu primo. Isso porque, quando ele estava doente e lutando contra o câncer, conversávamos todos os dias. Então sei muito bem da tristeza que ele sentiu.”
Curativo da alma
Para Sasaki, as pessoas que visitaram seu jardim logo após o tsunami tinham sentimentos muito diferentes.
“Elas vinham, falavam e transmitiam seus sentimentos. Depois, diziam que estavam curadas.”
Ele conta que às vezes se pergunta o que elas estariam querendo dizer com isso.
“Acho que quando todos os sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato – trabalham juntos, as pessoas se sentem curadas. Quando há um bom aroma, um bom sabor, o sopro do vento, você se sente bem.”
Mas não é só isso. “Expressar suas emoções é uma coisa difícil de fazer. Então as pessoas vêm aqui extravasar seus sentimentos, aquilo que guardam no fundo da alma. É como rezar. Você reza e se sente curado.”
// BBC