Deputados franceses aprovaram nesta terça-feira (24), em primeira leitura, o polêmico projeto de lei sobre a “segurança global”, que prevê punir a gravação e divulgação de policiais em ação. O texto será votado pelo Senado em janeiro de 2021.
O texto apresentado pelo partido governista A República em Marcha (LREM) e seu aliado Agir foi adotado por 388 votos a favor, 104 contra e 66 abstenções. Todos os deputados de esquerda votaram contra, denunciando “um ataque às liberdades”.
O projeto de lei trata da segurança geral na França, abrangendo questões que vão deste a polícia municipal até a segurança privada. O texto também deverá permitir o uso de drones pela polícia para registrar manifestações e reconhecimento facial pelas câmeras de vídeo de policiais, entre outras medidas. No entanto, é o polêmico artigo 24 que mobiliza a opinião pública nos últimos dias. Ele pode punir a captação e a difusão de imagens de forças de segurança em ação.
O objetivo, segundo os deputados governistas, seria “proteger aqueles que nos protegem”, evitando que gravações de policiais sejam publicadas nas redes sociais e utilizadas para identificá-los.
O texto prevê a pena de um ano de prisão e € 45 mil de multa caso imagens das forças de ordem em ação possam ser utilizadas para algum tipo de “ataque à integridade física e moral”.
Ataque contra a liberdade de imprensa
Para opositores e jornalistas, o artigo é um ataque direto contra a liberdade de imprensa e o direito de informar. Ele já havia sido aprovado na última sexta-feira (21), gerando uma forte indignação. No fim de semana, milhares de pessoas saíram às ruas de todo o país para protestar contra a decisão da Assembleia francesa.
Depois do ministro do Interior, Gérald Darmanin, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, se pronunciou nesta terça-feira sobre o polêmico artigo 24. Segundo ele, “nunca foi, não é, e nunca será intenção do governo atacar, de nenhuma forma, a liberdade de imprensa, de expressão e os fundamentos da lei de 1881″, sobre os direitos e deveres dos jornalistas na França.
“Não se trata de impedir quem quer que seja de filmar ou divulgar imagens permitindo esclarecer um fato ou um acontecimento público”, afirmou Castex. Segundo ele, o objetivo da futura lei é proteger as forças de segurança “de imagens vinculadas a mensagens que podem atingir a integridade dos funcionários de polícia e da segurança nacional”.
Devido à revolta da classe jornalística, uma emenda ao artigo foi feita, introduzindo a menção “sem prejuízo ao direito de informar”. O premiê receberá nesta semana representantes de sindicatos de jornalistas e representantes da imprensa francesa.
O texto será examinado em janeiro de 2021 pelos senadores. Segundo o primeiro-ministro, o projeto de lei também será examinado pelo Conselho Constitucional antes de ser sancionado.
Falta de unanimidade dentro do governo
Apesar de aprovado em primeira leitura e ser defendido pelos deputados governistas, não há consenso sobre a futura lei. “Não acredito em um Estado autoritário e não votarei esse texto”, declarou a deputada do LREM Nathalie Sarles à rádio France Bleu.
Para o senador do partido de direita Os Republicanos, o futuro delito é “inaplicável e inconstitucional”. “É uma faca de dois gumes para os policiais, que não vão ganhar nenhuma proteção extra com isso. E um ataque à liberdade de imprensa!”, defendeu, em entrevista ao jornal Le Monde.
O ministro francês da Justiça, Eric Dupond-Moretti, também deu a entender que há dúvidas dentro do próprio governo sobre o controverso artigo 24. “Estamos conversando sobre isso. Não queremos proibir os jornalistas de filmar e é preciso que encontremos um equilíbrio”, afirmou ao canal BFM TV.
No domingo (22), 33 personalidades que votaram para o presidente Emmanuel Macron em 2017, entre eles, o cineasta Costa-Gavras e o ex-jogador de futebol Lilian Thuram, assinaram uma carta pública pedindo a revogação do projeto de lei. Na segunda-feira (23), foi a vez da Comissão Europeia se pronunciar sobre a polêmica.
“A Comissão se abstém de comentar os projetos de lei, mas é evidente que em tempos de crise é mais importante do que nunca que os jornalistas possam fazer seu trabalho com liberdade e segurança”, disse um porta-voz da Comissão, Christian Wigand. “Como sempre, a Comissão se dá o direito de examinar a legislação final para verificar a sua conformidade com a legislação da União Europeia”, acrescentou o funcionário.
// RFI