Um medicamento anti-malária se revelou eficaz no tratamento de pacientes com câncer do cérebro, num tratamento experimental. Abre-se assim, uma nova porta no combate a esta doença e a um preço extraordinariamente baixo.
Cientistas da Universidade do Colorado (CU), nos EUA, utilizaram a substância cloroquina, o princípio activo de um medicamento anti-malária, no tratamento de pacientes com câncer do cérebro e com resultados surpreendentemente positivos.
Um dos pacientes alvo deste tratamento experimental foi Lisa Rosendahl, de 26 anos, diagnosticada com um câncer no cérebro aos 21 anos e alvo de cirurgias, de tratamentos com radiações e quimioterapias que não conseguiram combater a doença.
Os médicos deram-lhe somente mais um ano de vida, depois de o câncer se ter revelado resistente aos tratamentos.
Graças ao recurso à cloroquina, o câncer de Lisa estabilizou e “aumentou tanto a quantidade como a qualidade da sua vida”, realça a CU em comunicado publicado no Science Daily.
Esta paciente era um caso típico “de alto risco” e de um “glioblastoma agressivo” para o qual já tudo tinha sido tentado, conforme explica o pesquisador que liderou a pesquisa, o pediatra oncológico Jean Mulcahy-Levy.
“Para este tipo de população, as taxas de sobrevivência são sombrias”, acrescenta o médico, realçando que Lisa respondeu “miraculosamente” bem ao tratamento inovador.
“Quatro semanas depois do início do tratamento com a cloroquina, ela conseguia sentar-se e tinha melhorado o uso dos braços, pernas e mãos”, aponta Mulcahy-Levy.
Outros dois pacientes com câncer no cérebro foram tratados com a mesma substância e revelaram igualmente “melhoras dramáticas similares”, destaca a CU.
Ataque à autofagia
O câncer tem uma extraordinária capacidade de resistência e foi isso mesmo que ocorreu no caso de Lisa, com os tratamentos a deixarem de funcionar.
A cloroquina permitiu que o medicamento que anteriormente não estava a fazer efeito (o Vemurafenib, um inibidor da mutação genética BRAFV600E) voltasse a surtir resultados, “re-sensibilizando o seu câncer para o tratamento definido”, revela a investigação publicada no eLife.
O ponto de partida dos pesquisadores foi um processo que é conhecido por autofagia e que é uma espécie de reciclagem celular, em que as células reciclam proteínas e materiais perigosos, usando-os para gerar energia em situações de stress.
A descrição deste processo de autofagia celular garantiu ao japonês Yoshinori Ohsumi, o Prêmio Nobel da Medicina em 2016.
“Como deitar abaixo um kit Lego, a autofagia quebra componentes celulares desnecessários, construindo blocos de energia ou de proteínas para sobreviver em tempos de pouca energia ou para ficar a salvo de venenos ou patogênicos”, explica a CU.
Certos tumores “usam a autofagia para se manterem a salvo de tratamentos”, evidencia a instituição, notando que os pesquisadores detectaram que os que apresentam “mutações no gene BRAF e, especialmente, os com uma mutação chamada BRAFV600E, são particularmente dependentes da autofagia”.
Assim, em artigo publicado na eLife, os cientistas apontaram directamente a este mecanismo celular e concluíram que “a inibição genética e farmacológica da autofagia ultrapassou mecanismos distintos de resistência molecular, inibiu o crescimento das células do tumor e aumentou a morte das células”.
Travar o processo de autofagia permite desta forma, tornar a medicação mais eficaz e rompe as barreiras de resistência do câncer. E, além do mais, estamos a falar de um medicamento já aprovado e relativamente acessível, em termos de preço.
Os pesquisadores acreditam que a cloroquina pode ser aplicada também, com sucesso a outros tipos de tumores cerebrais e eventualmente, até noutras doenças e noutro tipo de mutações genéticas.
SV, Ciberia // ZAP