Quando o juiz aposentado Howard Broadman percebeu que seu neto de quatro anos precisaria de um rim no futuro, ele decidiu fazer alguma coisa para ajudar o garoto.
O menino chamado Quinn nasceu com apenas um rim mal-desenvolvido. Isso significa que ele provavelmente vai precisar de um novo órgão daqui a 10 ou 15 anos, e o avô ficou desolado ao se dar conta que possivelmente não estaria mais vivo para doar o órgão ao neto quando este dia chegar.
Outro desafio para esta doação é a diferença de idade entre os dois, que impediria o transplante. Por isso, o avô fez uma proposta simples e criativa à equipe médica da Universidade da Califórnia de Los Angeles.
Em 2014, então com 64 anos, Howard questionou se seria possível que ele doasse o próprio rim para um paciente desconhecido e em troca recebesse um tipo de “voucher” para que seu neto tivesse prioridade na fila do transplante quando chegasse a sua hora de precisar de um novo órgão. Os médicos que receberam a proposta foram receptivos com a ideia, e um novo programa de doação de rins foi iniciado.
“Alguns doadores de rim em potencial são incompatíveis com seus receptores pretendidos por conta do tipo de sangue ou por conta do momento em que a necessidade acontece”, explica o urologista Jeffrey Veale, da UCLA. Jeffrey foi o médico responsável pela retirada do rim de Howard. “O programa de voucher resolve esse segundo problema”, diz ele.
Howard foi o primeiro participante desse novo programa a doar um órgão, mas ele não foi o último. Uma pesquisa realizada pelo médico e publicada na revista Transplantation mostrou que este sistema já foi adotado por outros 30 centros de transplantes dos EUA, e incentivou que outras pessoas também participassem.
Até agora, 25 transplantes de sucesso aconteceram neste novo programa. Entre eles, 21 foram de rins. Essas doações causaram um efeito dominó de liberação de vagas na fila de transplante que beneficiou 68 pacientes.
“Se apenas uma fração dos 40 milhões de pacientes com doenças de rim crônica nos EUA tivessem um doador como o juiz Broadman, então dezenas de milhares de órgãos de alta qualidade entrariam no sistema. Pela primeira vez na história, nós poderíamos começar a reduzir a lista de espera”, diz o médico.
Um desses pacientes na lista é Quinn, que atualmente tem sete anos. É possível que quando ele crescer e estiver pronto para o transplante, o sistema criado por seu avô ajude a diminuir a fila de espera e ele consiga um órgão com maior facilidade.
O avô diz que ficou feliz em doar o órgão e ajudar o neto no futuro e dezenas de pacientes desconhecidos. Ele também torce para que o neto não precise do órgão. “Pensei, porque não passar adiante e talvez o Karma entre em ação?”, diz ele.
Troca-troca
O programa não pareceu tão absurdo para a equipe médica da UCLA porque um sistema de troca de órgãos já existia antes. Quando familiares se voluntariavam para doar órgãos para seus parentes, mas não podiam fazer isso diretamente por conta de incompatibilidades biológicas, a equipe propunha trocas entre outras famílias.
Então se o pai de uma criança que precisa de um novo órgão não pode doar o rim para o próprio filho, ele poderia doar para outra pessoa, e um parente ou amigo desse receptor faria o mesmo pelo filho do primeiro homem, caso houvesse compatibilidade. Esse sistema é chamado de “corrente”.
Os médicos relatam, porém, que muitas vezes possíveis doadores acabam “segurando” seus órgãos como um investimento futuro, pensando que é melhor guardá-lo para um parente amado que possa precisar deste órgão no futuro.
É aí que entra o sistema de voucher. Ao encorajar doadores a liberarem o órgão agora ao invés de num futuro que pode nem chegar, pacientes que já estão na fila de transplante podem ser salvos, e o parente do doador pode ser ajudado no futuro.
Esse voucher não garante um órgão no futuro, já que seria irresponsável prometer a disponibilidade um órgão compatível em um futuro indeterminado. O que o voucher garante é a prioridade na procura por um novo órgão quando este momento chegar.
Ciberia // HypeScience