A “porta para o inferno” da Sibéria não para de aumentar

Alexander Gabyshev / Research Institute of Applied Ecology of the North

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Localizada na floresta boreal da Sibéria, enorme cratera cresce, em média, 10 metros por ano e serve de alerta contra o desmatamento e o aquecimento global

Não é nenhum segredo que o permafrost da Sibéria tem diminuído muito ultimamente. As condições variam tanto que enormes buracos estão aparecendo do nada e, em alguns lugares, a tundra está literalmente borbulhando debaixo dos pés das pessoas.

Agora, uma nova pesquisa revelou que uma das maiores crateras da região, conhecida pelo povo Yakutian, nativo da região, como a “porta para o inferno”, está crescendo tão rapidamente que está descobrindo antigas florestas e carcaças de mais de 200 mil anos.

A cratera Batagaika é um “termocarste”, um tipo de solo caracterizado por superfícies bastante irregulares repletas de cavidades alagadiças formadas pelo derretimento de permafrost rico em gelo.

Muitos destes buracos têm aparecido por toda a Sibéria nos últimos anos, mas os pesquisadores acreditam que Batagaika poderia ser uma espécie de anomalia.

Localizada a cerca de 660 km ao nordeste da capital siberiana de Yakutsk, não só a cratera já é a maior do tipo, com quase 1 km de comprimento e 86 metros de profundidade, como está ficando cada vez maior.

Crescimento contínuo

Uma pesquisa apresentada no ano passado por Frank Günther, do Instituto Alfred Wegener na Alemanha revelou que a cabeça da cratera cresceu em média 10 metros por ano durante a última década de observações. Em anos mais quentes, o crescimento foi de até 30 metros por ano.

A equipe do estudo também suspeita que a parede lateral da cratera chegará a um vale vizinho nos próximos meses, à medida que as temperaturas se aquecem no Hemisfério Norte, o que poderia levar a um colapso ainda maior de terra.

Alexander Gabyshev / Research Institute of Applied Ecology of the North

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Camadas expostas com o degelo do permafrost indicam como eram clima, fauna e flora há 200 mil anos

Isso é uma péssima notícia para as mudanças climáticas. A formação da cratera começou depois que um pedaço grande da floresta foi desmatado nos anos 1960.

Como o solo não estava mais sombreado nos quentes meses de verão, se aqueceu mais rapidamente do que no passado, fazendo com que o permafrost se derretesse e o solo colapsasse. Grandes enchentes em 2008 pioraram o derretimento e contribuíram para aumentar o tamanho da cratera.

A instabilidade da região não é apenas perigosa para os locais. Também há preocupações de que, conforme o buraco ficar cada vez maior, acabe expondo muito carbono que foi armazenado ali por milhares de anos.

“As estimativas globais de carbono armazenado no permafrost são parecidas com a quantidade que está na atmosfera”, disse Günther à BBC. Se a cratera continuar a derreter, esses gases do efeito estufa podem ser liberados, provocando mais aquecimento.

200 mil anos de dados climáticos

Há pelo menos um lado bom no meio de tanta notícia assustadora.

Um estudo publicado neste mês na revista Quaternary Research por pesquisadores da Universidade de Sussex mostrou que as camadas expostas pela cratera podem revelar 200 mil anos de dados climáticos.

Além dos restos preservados de florestas enterradas há muito tempo, antigas amostras de pólen e até os restos congelados de um boi almiscarado, um mamute e um cavalo de 4.400 anos de idade apareceram com o colapso da cratera.

(dr) Julian Murton

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Ao emergir, cratera revelou sinais de densa floresta que existiu no local há centenas de milhares de anos

O sedimento exposto pode ser útil para entender como o clima da Sibéria mudou no passado e para prever como vai mudar no futuro.

Enquanto a maior parte do planeta passou por períodos de arrefecimento e aquecimento nos últimos 200 mil anos, a história do clima da Sibéria é bastante desconhecida.

A última vez que a região viu esse tipo de queda de gelo foi 10 mil anos atrás, quando a Terra entrou em transição após sua última Idade do Gelo.

Hoje, os níveis de gases de efeito estufa em nossa atmosfera são muito maiores do que eram na época – 400 partes por milhão de CO2, em comparação com 280 partes por milhão quando a última Idade do Gelo terminou.

“O local de Batagaika contém uma sequência notavelmente grossa de depósitos de permafrost, que incluem duas camadas ricas em madeira interpretadas como camadas de floresta que indicam climas passados tão quentes ou mais quentes do que o de hoje”, disse o pesquisador Julian Murton à Motherboard no ano passado.

O aquecimento acelera o aquecimento

A cratera Batagaika pode oferecer lições cruciais, em especial sobre os mecanismos que aceleram o aquecimento em áreas de permafrost.

À medida que o degelo avança, mais e mais carbono é exposto a micróbios. Estes micro-organismos consomem carbono e produzem dióxido de carbono e metano – gases causadores do efeito estufa. O metano é capaz de acumular 72 vezes mais calor que o dióxido de carbono num período de 20 anos.

Além disso, os gases liberados pelos micróbios na atmosfera aceleram ainda mais o aquecimento. “É o que chamamos de feedback positivo“, explica Frank Gunther. “O aquecimento acelera o aquecimento e, no futuro, poderemos ver mais estruturas como a cratera de Batagaika”, completa o pesquisador.

Segundo o pesquisador, não há nenhuma obra de engenharia que possa conter o desenvolvimento dessas crateras.

Se os pesquisadores puderem usar essas informações para entender exatamente o que aconteceu à Sibéria na última vez em que o permafrost derreteu, poderemos nos preparar melhor para quando isso acontecer novamente.

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