A Sputnik Brasil conversou com professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra sobre as possíveis consequências da atual crise política que se instalou em Portugal.
O Parlamento de Portugal reprovou na quarta-feira (27) a proposta de Orçamento do Estado para 2022 apresentada pelo governo do primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda. O documento foi inviabilizado com 117 votos contra, 108 a favor e cinco abstenções.
Esta foi a segunda vez que um orçamento foi reprovado no Parlamento de Portugal em 47 anos de democracia. Para entender melhor as possíveis consequências dessa crise política que se instalou em Portugal, a Sputnik Brasil conversou com José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), coordenador do Observatório Sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES) e autor do livro “Os Espaços da Indústria: a regulação econômica e o desenvolvimento local em Portugal”.
Dissolução do Parlamento
Portugal é governado por um sistema semipresidencialista, em que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, divide funções com o primeiro-ministro, António Costa.
José Reis explica que ao primeiro-ministro e o seu governo cabem as funções executivas, enquanto as funções constitucionais, de salvaguarda do funcionamento da democracia, são de responsabilidade do presidente. Com o impasse do orçamento, entra em cena Marcelo Rebelo de Sousa.
“Presidente vai decidir, e é a única decisão que lhe compete, se perante esse chumbo do orçamento encarrega o mesmo governo de apresentar uma nova proposta de orçamento ou se dissolve o Parlamento e convoca novas eleições“, afirma Reis.
Nesta quinta-feira (28), foi divulgado o calendário de audiências de Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente português vai ouvir os partidos e o Conselho de Estado nos termos impostos pela Constituição para a dissolução do Parlamento.
“Depois de ter reunido ontem [27 de outubro] à noite com o presidente da Assembleia da República [Ferro Rodrigues], bem como com o primeiro-ministro, que mantém o exercício das suas funções, o presidente da República vai receber amanhã [29 de outubro] os parceiros sociais, no sábado [30] os partidos políticos com representação parlamentar e reunirá o Conselho de Estado na quarta-feira [3 de novembro]”, lê-se em comunicado da Presidência da República.
Embora a rejeição de um orçamento não signifique necessariamente eleições antecipadas, Marcelo Rebelo de Sousa alertou na segunda-feira (25) que, caso isso ocorresse, ele não teria outra opção que não fosse a dissolução do Parlamento e a realização das eleições dois anos antes do programado.
Rejeição inesperada
Portugal viveu nos últimos seis anos sob um governo firmado em uma aliança à esquerda. Para conseguir aprovar seu planejamento, depois de nomeado primeiro-ministro em 2015, António Costa convenceu o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) a formarem uma aliança, apelidada de geringonça.
“Esse acordo inicialmente foi escrito, tinha um programa claro e fácil porque se tratava de virar a página da austeridade […]. Foi um consenso relativamente fácil de obter e durou durante a primeira legislatura, de 2015 a 2019. Em 2019, não houve acordo escrito, mas um acordo circunstancial para que o governo [minoritário] do PS, junto com o BE ou PCP, pudesse encontrar soluções para aprovar cada orçamento e isso aconteceu. Mas não aconteceu este ano […]. Foi um grande erro“, comenta José Reis.
O professor catedrático da FEUC acrescenta que se admitia como possível a rejeição da proposta de Orçamento do Estado, “mas não se previa, foi inesperado”. Ele acredita que BE e PCP chumbaram a proposta por questões alheias ao orçamento em si.
“O que levou a essa ruptura, creio eu, foi um contexto mais geral de não acordo político dentro da esquerda […]. A crise é eminentemente política, de dois partidos que não quiseram manter esse compromisso e preferiram ir a eleições porque admitiam que o fato de estarem aliados do PS está a corroer um pouco a sua base política de apoio. Foi estritamente político e não técnico.”
Democracia e extrema-direita
Apesar de esta ter sido apenas a segunda vez que um orçamento foi reprovado no Parlamento em quase 50 anos, José Reis afirma que isso não é “uma tragédia ou problema”.
“Há uma solução democrática perfeitamente estabilizada que é realizar eleições. Do ponto de vista constitucional, do ponto de vista do funcionamento da democracia, não é um problema”, garante.
Dos cenários possíveis para as eleições antecipadas, o professor catedrático da FEUC destaca três cenários: o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido do Centro Democrático Social (CDS), que Reis considera como “direita democrática”, ganham e governam; PS ganha com maioria absoluta; ou repetisse o resultado de 2015 e 2019, em que o PS ganha sem maioria e tem que se entender novamente com PCP e BE para governar.
Contudo, o especialista ressalta que há hoje em vários países “uma grande conflitualidade social” que “tem dado grande espaço para extrema-direita“. Atualmente há um partido considerado de extrema-direita na Assembleia da República, o Chega, que possui um deputado.
“Nos quase 50 anos de democracia portuguesa a extrema-direita nunca teve expressão política e agora teve […]. Mesmo que continue relativamente marginal, a extrema-direita pode ter uma expressão que nunca teve até agora […]. Pode acontecer que a direita democrática ganhe, mas não tenha força suficiente para formar governo sem a extrema-direita”, avalia.
Dessa forma, Reis aponta que, fazendo parte de um governo, o poder da extrema-direita seria muito maior, mas ele pondera que isso não deve ocorrer. O que deve acontecer é o Chega aumentar o número de deputados para dois ou três, uma vez que o partido está “em uma trajetória de crescimento”.
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