Com a prisão do ex-presidente Michel Temer, os investigadores da Lava Jato enviaram um sinal claro ao Supremo Tribunal Federal (STF) assim como ao velho establishment político brasileiro.”Estamos presentes e fortes”, foi a mensagem.
Antes da prisão, os procuradores tiveram que engolir uma série de derrotas que ameaçam a continuidade da operação anticorrupção iniciada em 2014.
O STF decidira entregar casos de corrupção relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais aos tribunais eleitorais. Com isso, a Lava Jato perde seus casos mais importantes. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também se manifestou contra a criação, pela Lava Jato, de um fundo para financiamento autônomo das investigações. Com isso, na verdade, se pretendia reduzir a influência da política.
O STF também lançou investigações contra grupos de Whatsapp e usuários de mídia sociais que atacaram juízes da corte suprema. Até membros da Lava Jato estariam entre os “ativistas digitais”, liderados pelo coordenador da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, que acusou o tribunal de “golpe jurídico”.
Ultimamente, a Lava Jato esteve literalmente nas cordas, como afirma o jurista e pesquisador Michael Mohallem, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Se fosse num outro momento e contexto, a prisão de Temer não seria surpreendente. Mas é inevitável, diante do momento, imaginar que o timing dessa prisão possa a ter que ver com isso”, diz Mohallem, que coordena o Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio. “Coincidências são raras, ainda mais nesse nosso mundo da política brasileira. A prisão de Temer mostra que a Lava Jato ainda está forte.”
Dez inquéritos estão em andamento contra Temer. Na quinta-feira, ele foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, além de obstrução da Justiça e formação de organização criminosa. A prisão tem relação com contratos do governo para a construção da usina nuclear de Angra 3, pelos quais Temer teria recebido propinas de cerca de 250 mil euros.
O mandado de prisão evitou qualquer referência a crimes de caixa dois, para não perder o caso para os tribunais eleitorais. O juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro, argumentou em seu mandado de prisão que Temer era o chefe de uma organização criminosa atuante há 40 anos.
Até agora, o foco da Lava Jato não estava no Rio, mas nos processos em andamento em Curitiba. Lá, o juiz federal Sérgio Moro havia condenado, entre outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está detido há um ano. Os oponentes de Moro o consideram politicamente tendencioso.
“Fortalece a narrativa da neutralidade política”
O polêmico juiz é desde janeiro Ministro da Justiça e Segurança Pública no gabinete do presidente Jair Bolsonaro, o rival populista de direitista de Lula. Bolsonaro também venceu a eleição presidencial por causa de sua promessa de limpar a política da corrupção. “A Lava Jato ajudou Bolsonaro a se eleger”, resume Mohallem.
Agora, a prisão de Temer fortalece a narrativa da neutralidade política da operação. “A prisão de Temer fortalece a Lava Jato, pois mostra que ela não é seletiva e não atinge só o ex-presidente Lula, mas também políticos da direita”, observa o cientista Ricardo Ismael.
Para Bolsonaro, o episódio tem aspectos positivos e negativos. Apenas um dia antes, uma pesquisa registrou queda dramática em seu índice de aprovação. É provável que a prisão de Temer tenha agradado a população.
No entanto, pode haver descontentamento no Congresso, onde os planos do presidente para a reforma previdenciária foram recebidos criticamente, assim como os planos de legislação anticorrupção apresentados pelo ministro Moro. Para suas reformas, Bolsonaro precisa dos votos do partido de Temer, o MDB, lembra o cientista político Marco Aurélio Nogueira. Bolsonaro já aumentou a pressão sobre o MDB. “Mas os votos de que o governo necessita para aprovar suas propostas ficaram mais caros agora.”
O ex-ministro da Energia Moreira Franco também foi preso. Um detalhe picante: ele é casado com a sogra do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. E com Maia, o pacote de reformas de Bolsonaro fica de pé ou cai. “A decisão de prender Temer e Franco pode refletir um movimento de pressão sobre Maia”, crê Nogueira. “E há quem veja a mão de Moro.” Maia havia exposto publicamente Moro na noite anterior das prisões, depois que este havia pressionado por uma rápida aprovação das reformas.
“A reforma da Previdência pode ser prejudicada em razão de algum tipo de retaliação via Maia e o próprio MDB”, diz Ismael. Mohallem acredita até num contra-ataque do Congresso, sob a liderança de Maia.
“Os congressistas podem exigir, em troca de apoio das reformas, uma maior proteção contra a Justiça.” Propostas legislativas para limitar o poder dos investigadores estão nas gavetas do Congresso e podem ser colocadas de volta na pauta a qualquer momento. Aí Bolsonaro teria que decidir quem sacrificar: suas reformas ou a Lava Jato.
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