Uma equipe de cientistas russos e alemães conseguiu decifrar o segredo da estabilidade da estrutura cristalina da calaverite – um raro mineral metálico também conhecido como telureto de ouro.
A descoberta, publicada semana passada nos Proceedings of the National Academy of Sciences, era até agora considerada como um quebra-cabeças químico impossível de desvendar. Com a pesquisa, surge ainda a possibilidade de existir um novo composto de ouro até agora desconhecido pela Ciência.
A calaverite (AuTe2) é um mineral com proporções semelhantes de ouro e telúrio, na qual 3% da concentração de ouro é substituída por prata (Ag), sendo possível extrair ouro a partir da separação dos seus elementos. Tem uma estrutura cristalina com uma organização altamente imensurável no que diz respeito à posição dos átomos de ouro e telúrio dos seus cristais.
A estrutura “impossível” de medir significa que a rede cristalina da calaverite não pode ser explicada pela lei do mineralogista francês René Just Haüy (1743-1822) – que descreve a geometria dos cristais para a maioria dos minerais. Por tudo isso, o mineral e os demais cristais imensuráveis têm sido um mistério para os cientistas.
A lei René prevê que uma mudança na forma de um cristal combinado com um outro não altera seu grau de simetria. Dessa forma, a estrutura particular da calaverite não pode ser medida através dessa lei geométrica, uma vez que tem simetria em uma direção particular.
Para explicar a estranha natureza desse mineral, na década de 70, os cientistas descobriram uma nova forma de descrever as estruturas cristalinas, recorrendo ao espaço 4D em vez do habitual 3D. Ainda assim, continuaram sem qualquer pista sobre o estranho comportamento dos cristais de calaverite – até agora.
Uma união “impossível”
Agora, uma equipe multidisciplinar de cientistas russos e alemães conseguiu finalmente resolver o mistério dos cristais imensuráveis da calaverite, obtendo informações sobre seus espectros eletrônicos e sua capacidade supercondutora criada através de pressão ou de aditivos.
Para a descoberta, os cientistas recorreram ao sistema USPEX – um avançado algoritmo desenvolvido pela equipe – para explicar a complexa estrutura cristalina.
Recorrendo à ferramenta, os pesquisadores analisaram primeiro as ligações químicas da silvanite, (Ag,Au)Te2 – mineral semelhante à calaverite composto por ouro, prata e telúrio – que usaram como padrão, e substituíram os átomos de prata por átomos de ouro, tendo descoberto que a calaverite inclui átomos de ouro com uma oxidação de +1 e +3 distribuídos pela sua estrutura.
“O raciocínio simples sugere que o ouro deve ser divalente neste composto, da mesma forma que o ferro é no FeS2, conhecido como o ‘ouro dos tolos’”, explicou o químico Sergey Streltsov, um dos autores do estudo.
“Qualquer químico entende que o ouro bivalente é extremamente instável e tende a se tornar monovalente e trivalente, mas aí surge o atrito: em primeiro lugar, 3+ é uma valência muito alta.
Além disso, não há forma de colocar ouro monovalente ou trivalente – imaginando que exista mesmo – na rede triangular da calaverite com o padrão se repetindo em todos os sentidos”, sustenta o pesquisador.
Na Química, a valência é um número que indica a capacidade que um átomo de um determinado elemento tem de se combinar com outros átomos, capacidade medida pelo número de elétrons que um átomo pode dar, receber, ou partilhar de forma a construir uma ligação química.
Esse modelo admite a possibilidade de outra união “impossível” entre o ouro e o telúrio, expressa pela fórmula química AuTe, ao contrário do união AuTe2 conhecida até agora.
“É a natureza que determina o arranjo, alterando suavemente a valência do ouro no cristal. O ambiente do telúrio responde à mudança e isso origina estruturas cristalinas bizarras”, conclui Sergey Streltsov.
Novas descobertas, novos mistérios
“Há toda uma grande história por trás da calaverite” que, além de “ter influenciado a chamada ‘Febre do Ouro’, foi uma enorme dor de cabeça e um paradoxo para os especialistas em cristalografia”, explicou Ogánov, outro dos pesquisadores. Até porque, “quanto mais profundamente os especialistas questionavam, mais perguntas geravam”.
Segundo Ogánov, e graças aos novos resultados agora publicados, “os pesquisadores poderão agora ir à procura do AuTe” – o novo composto previsto pelo algoritmo – que, sugere o cientista, “será certamente cheio de novos enigmas”, concluiu.
Ciberia // ZAP