Reatores nucleares da Arábia Saudita geram disputa entre EUA, China e Rússia

secdef / Flickr

O príncipe saudita Mohammed bin Salman

Os planos da Arábia Saudita para construir dois grandes reatores de energia nuclear em uma área deserta fizeram com que grandes potências internacionais passassem a competir para se tornarem sócias desses contratos milionários.

Os Estados Unidos contam com a aliança saudita para cumprir suas ambições nucleares. No entanto, há um obstáculo importante: a recusa da Arábia Saudita em aceitar as rígidas restrições internacionais, cujo objetivo é evitar a proliferação global de armas nucleares.

Isso coloca o governo de Donald Trump, conhecido pela forte oposição à atividade nuclear de países como o Irã, em uma situação desconfortável, segundo a BBC.

Espera-se que o governo saudita anuncie nas próximas semanas os candidatos finais para realizar o projeto. Entre os competidores também estão aliados dos EUA, como a Coreia do Sul e a França.

No entanto, há também empresas da China e da Rússia, consideradas por Washington como as principais ameaças na competição – apesar das supostas ligações do governo Trump com a Rússia.

O conhecimento técnico dos EUA faz do país um importante candidato a parceiro no projeto, com o qual a Arábia Saudita diz querer diversificar a matriz energética. O objetivo, segundo o país, é depender menos do petróleo – substância da qual os sauditas são os maiores exportadores do mundo.

Ao mesmo tempo, dizem analistas, a monarquia também pretende exibir um certo prestígio internacional com os reatores, enquanto tenta alcançar o programa nuclear do Irã, um dos maiores adversários da região.

Os sauditas têm boas relações comerciais com a China e a Rússia, que oferecem condições de cooperação menos restritivas que os EUA.

Para não ser excluído, talvez Washington opte por flexibilizar as normas de segurança nuclear que exige de um dos seus principais aliados em uma das regiões mais instáveis do mundo.

O acordo com os sauditas seria um incentivo para reavivar a decadente indústria nuclear dos EUA, especialmente depois de a empresa de energia nuclear Westinghouse ter falido, no ano passado.

Mas reduzir as exigências pelo contrato poderia comprometer o compromisso da Casa Branca de lutar contra a proliferação nuclear no mundo. Alguns especialistas questionam a incursão dos EUA nesse projeto, mas também dizem que seria mais seguro para seus interesses se o país estivesse presente.

“Preferia ter uma indústria nuclear na Arábia Saudita em parceria com os EUA do que uma feita em conjunto com a Rússia ou a China”, declarou Robert Einhorn, ex-conselheiro para a não-proliferação de armas do Departamento de Estado dos EUA ao Washington Post.

“A Arábia Saudita terá que aceitar as restrições, senão o Congresso americano irá bloquear a parceria”, diz Simon Henderson, diretor do programa de política energética do Instituto Washington para Política do Oriente Médio.

Pela legislação americana, o Congresso precisa aprovar qualquer parceria – conhecida como “Acordo 123” – de cooperação nuclear estabelecido com outro país.

Até hoje, Washington assinou mais de 20 desses acordos. Cada acordo inclui diferentes níveis de restrição para o uso da tecnologia que será compartilhada, dependendo do país em questão.

O acordo de 2009 com os Emirados Árabes, por exemplo, proíbe que o país faça enriquecimento de urânio por si próprio ou reprocesse o combustível nuclear usado nas plantas para produzir plutônio – já que esses processos são etapas da criação de armas nucleares.

O contrato, conhecido como “padrão ouro” por ser um dos mais restritos do mundo, é considerado um modelo a ser implementado em outros países da região. A Arábia Saudita, no entanto, tem se negado historicamente a aceitar as mesmas restrições.

O país insiste que o objetivo do programa nuclear não é bélico e defende o direito de enriquecer urânio para fins não militares.

Comparações com o Irã

Para defender o posicionamento, os sauditas recorrem a um acordo assinado pelos EUA com um dos principais inimigos: o Irã. “Queremos os mesmos direitos de outros países”, disse o ministro das Relações Exteriores saudita, Adel al Jubeir.

Depois do acordo com os EUA, o Irã interrompeu algumas das atividades nucleares em troca da diminuição progressiva das sanções econômicas.

No entanto, o país conseguiu continuar o enriquecimento de urânio sob supervisão internacional. Feito durante a gestão de Barack Obama, o acordo é considerado por Trump como o “pior da história“.

De acordo com Henderson, “o problema do pacto é que legitima o programa nuclear do Irã e encoraja outros países a alcançar a paridade”.

“Não se sabe se a Arábia Saudita poderia desenvolver armas nucleares. Mesmo com a capacidade de enriquecimento, não é fácil fazê-lo”, diz Karthika Sasikumar, professora de ciência política da Universidade Estadual de San José, nos EUA.

No entanto, mesmo que o país não fabricasse as armas, “a mera suspeita de que o país planejava fazê-lo poderia desencadear uma corrida armamentista na região”, segundo a professora.

Diante da posição radical contrária ao programa nuclear do Irã, como Donald Trump justificaria a cooperação nuclear com a Arábia Saudita?

De acordo com Sasikumar, “o governo dos EUA trata os países de maneira diferente em termos de estratégia geopolítica mais ampla, como a Índia, que tem um acordo muito menos severo”.

“Os EUA concluíram que o risco de a Arábia Saudita ser uma ameaça aos seus interesses é baixo, então o país opta por continuar a ajudar as empresas americanas a obter o contrato”, afirma.

Alguns críticos consideram que rebaixar as exigências para fechar um acordo com os sauditas abriria um perigoso precedente e romperia com a política nuclear de Washington das últimas décadas.

O acordo poderia incentivar outros países da região a adquirir tecnologia nuclear e gerar uma crise. “Os riscos para a estabilidade regional e global são imensos”, diz Sasikumar.

Há quem defenda que é possível chegar a um acordo menos restrito do que o assinado com os Emirados Árabes, mas que, ainda assim, garantisse a segurança mundial.

“Deveríamos tentar colocar as maiores restrições possíveis sobre o enriquecimento e o reprocessamento durante um período de tempo significativo, digamos 20 ou 25 anos“, diz Einhorn.

Outros especialista discordam. “Estaríamos dizendo ‘mais tarde’ em vez de dizer ‘não’ a algo que não deveríamos permitir de forma alguma”, diz Henry Sokolski, diretor executivo do Centro de Educação sobre Políticas de Não-Proliferação.

Os dois reatores que a Arábia Saudita quer construir agora fazem parte de um projeto mais amplo. O país pretende erguer até 16 nos próximos 25 anos.

A decisão sobre as parcerias do projeto, que deve ser feito até o fim do ano, está muito longe de ser apenas uma oportunidade comercial. O resultado irá refletir o estado das relações e tensões geopolíticas entre as grandes potências envolvidas.

Ciberia // ZAP

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