Em meio à crise envolvendo Sergio Moro, senadores aprovam versão desfigurada do pacote de “Dez medidas contra a corrupção” que prevê detenção para magistrados que atuarem com “motivação político-partidária”.
O Senado aprovou nesta quarta-feira o projeto de lei que define e pune o abuso de autoridade praticado por juízes e membros do Ministério Público.
O texto estava parado desde 2017 e voltou a tramitar com celeridade em meio ao escândalo que envolve o ministro da Justiça, Sergio Moro, cuja conduta como juiz à frente da Lava Jato entre 2014 e 2018 passou a ser alvo de questionamentos após a revelação de trocas de mensagens entre o ex-magistrado e membros da força-tarefa da operação.
A medida sobre abuso por parte de autoridades foi aprovado dentro do chamado pacote de “Dez medidas contra a corrupção”, um projeto de iniciativa popular originalmente defendido por membros da Lava Jato, mas que foi drasticamente alterado pela Câmara no final de 2016.
À época, as mudanças foram alvo de críticas e os deputados foram acusados de desfigurar o projeto, enfraquecendo várias das medidas e incluindo “jabutis” em meio ao texto. Na linguagem do mundo político, um “jabuti” é a prática de inserir em uma proposta de lei uma emenda que não tem nenhuma relação com o texto.
Após a aprovação na Câmara, o projeto seguiu para o Senado, mas pouco avancou nos últimos dois anos. Isso mudou há duas semanas, quando o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), relator do projeto, apresentou seu parecer, modificando alguns pontos aprovados pela Câmara.
Esse parecer foi aprovado também nesta quarta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e seguiu no mesmo dia para análise do plenário. A inclusão na pauta ocorreu a pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Um texto base, sem os trechos que tratam do abuso de autoridade, foi inicialmente aprovado por 48 votos a favor e 24 contra. Já a inclusão dos trechos sobre o abuso foi aprovada simbolicamente em plenário. Agora, o pacote terá que retornar à Câmara porque foi modificado pelos senadores.
De acordo com o projeto aprovado pelos senadores, um magistrado incorrerá em abuso de autoridade se: proferir julgamento quando impedido por lei, atuar com evidente motivação política: expressar opinião, por qualquer meio de comunicação, no meio do processo, entre outros pontos.
Já para os membros do Ministério Público, ficará caracterizado como abuso se um procurador ou promotor: instaurar processo sem provas e indícios suficientes; expressar, por qualquer meio de comunicação, “juízo de valor indevido” no meio de processo não concluído; atuar com evidente motivação político-partidária.
Pelo texto, a autoridade que violar esses itens estará sujeita a uma pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa.
No mesmo pacote, os senadores ainda aprovaram medidas que criminalizam o caixa dois e a compra de votos, além de incluir a corrupção e o peculato (desvio de recursos públicos) na lista de crimes hediondos.
Por meio de um vídeo postado no Twitter, o procurador Deltan Dallagnol – defensor do pacote original e um dos personagens do escândalo que envolve Moro – classificou o texto aprovado como um retrocesso e um obstáculo na luta contra a corrupção e pediu o apoio da sociedade e dos senadores.
“Para vocês terem uma ideia, dentre as pegadinhas que tem lá, tem a possibilidade de o investigado investigar e acusar o próprio investigador, por isso nós somos contra esse projeto. Nós somos, sim, a favor de uma punição adequada para o crime de abuso de autoridade, consistente, como aquela prevista no projeto de lei apresentado [por procuradores] em 2017 no Senado Federal que não tem pegadinhas e avança nesse sentido”, afirmou.