O sangue dos mais jovens é capaz de rejuvenescer os mais velhos? Milionários não apenas acreditam nessa hipótese, como estão pagando por transfusões com esse fim nos Estados Unidos.
Quem está por trás dessa ideia com cara de futurista e ares de ficção científica são empresas do Vale do Silício, o coração da tecnologia na Califórnia.
Entre os adeptos da controvertida prática, por exemplo, estaria o empresário e ativista político Peter Thiel, cofundador da empresa de pagamentos online PayPal e primeiro venture capitalist a investir no Facebook, em 2004. Especula-se que Thiel gasta milhares de dólares com “sangue novo”.
Mas para entender o que está acontecendo hoje nesses laboratórios é preciso voltar ao passado.
No século 19, um cientista francês chamado Paul Bert fez uma descoberta ao mesmo tempo fascinante e espantosa. Ele fez costurou duplas de roedores para que compartilhassem o fluxo sanguíneo e pudesse observar o resultado.
Os camundongos mais velhos começaram a mostrar sinais de rejuvenescimento: melhor memória, mais agilidade e uma cicatrização mais rápida.
Muitos anos depois, pesquisadores de universidades americanas como Harvard e Stanford decidiram dar prosseguimento aos estudos do francês.
A técnica, conhecida como parabiose ou união fisiologia e anatômica de dois organismos, transformou-se na base de trabalho de várias empresas na Califórnia, que tentam replicar os efeitos rejuvenescedores em humanos. Mas ao mesmo tempo em que tentam revolucionar a ciência, atraem controvérsia e muita discussão.
Para o médico Jesse Karmazin, o futuro é agora. Em 2016, Karmazin, que é graduado pela Universidade Stanford, fundou a Ambrosia, uma startup que investiga os efeitos do sangue de pessoas mais jovens no combate de doenças ligadas ao envelhecimento.
“Acabamos de complementar o primeiro teste clínico. Vamos fazer mais estudos, mas os resultados até agora são bons”, disse Karmazin à BBC. “Acreditamos que o tratamento é exitoso, que reverte o envelhecimento e funciona para uma série de males associados com a velhice, como doenças do coração, diabetes e Alzheimer”, completa.
Do teste mencionado por Karmazin, participaram 150 pessoas com idade entre 35 e 80 anos, que pagaram US$ 8 mil (cerca de R$ 27 mil) cada uma pelo tratamento.
“Era uma transfusão simples“, explica o médico. “Recebemos o excesso de plasma de bancos de sangue, que têm muito. Nós só usamos plasma, que é o fluido sanguíneo, sem as células”, diz. Ele explica que as pessoas vão às clínicas da Ambrosia, uma na Califórnia e outra na Flórida, e recebem o plasma jovem na veia.
Qual é o limite?
O que para o fundador da Ambrosia parece ser algo simples desperta receio e dúvidas da comunidade científica.
“Para mim, fazer experimentos com pessoas saudáveis e dar a elas plasma com a esperança de que possam viver mais é ir longe demais“, afirma Eric Verdin, presidente do Instituto Buck de Pesquisa sobre o Envelhecimento, também no Vale do Silício.
Segundo ele, há muitos problemas associados ao plasma, como vírus e outras coisas que ainda não conhecemos. “Me preocupa que alguém de 40 ou 50 anos, saudável, vai receber plasma de jovens”, afirma Verdin.
“Por que acha que as pessoas tiram seu próprio sangue antes de entrar na sala de cirurgia para evitar um transfusão de sangue alheio?”, questiona. “Eu não receberia sangue de outra pessoa, a não ser que fosse uma situação de vida ou morte”, enfatiza Verdin que, além disso, critica a cobrança de US$ 8 mil para esse tipo de teste.
A Ambrosia, contudo, não é a única a trabalhar com transfusões de sangue de jovens para pessoas mais velhas.
“Há estudos e experimentos incrivelmente importantes“, reconhece Verdin, emendando que os estudos com roedores estão muito avançados. “Até consigo aceitar que se extraia plasma de pessoas jovens para dar a pacientes com Alzheimer severo, como faz a Alkahest”, exemplifica.
A empresa citada por Verdin é outra startup, nascida em 2014 também na Califórnia. Fundada pelos neurocientistas Tony Wyss-Coray e Saul Villeda, a Alkahest acabou de concluir a primeira fase de um teste com 18 pessoas com Alzheimer que receberam dose semanal de plasma de doadores jovens por quatro semanas.
Mas segundo um artigo da revista científica Nature, de setembro de 2017, o teste é ainda pequeno demais para se falar em benefícios clínicos, segundo Wyss-Coray. O diretor-executivo da Alkahest, Karoly Nikolich, também prefere a cautela ao falar do experimento, mas demonstra confiança.
Ainda que a empesa esteja analisando os dados e prefira não tratá-los como finais, Nikolich disse à BBC que os pacientes apresentaram melhores habilidades para desempenhar tarefas diárias básicas. Também demonstraram sinais de estarem mais conscientes do ambiente que os cercam e deles mesmos.
Para Verdin, os testes conduzidos pela Alkahest têm mais fundamento que os da Ambrosia. “Os pacientes estão com demência e basicamente não há outro tratamento para eles.”
Vampiros modernos?
Para um pesquisador como Verdin, que há décadas estuda a velhice, o surgimento dessas startups que prometem retardar o envelhecimento e aumentar a expectativa de vida para além dos 100 anos é perigoso. Mas há quem não tema os eventuais riscos e efeitos ainda desconhecidos.
Multimilionários como Peter Thiel foram batizados de “vampiros” pelo interesse em transfusões de sangue de pessoas mais jovens. Ninguém nunca conseguiu confirmar que ele realmente investe uma fortuna em plasma jovem, mas Thiel não esconde a fascinação com a imortalidade.
Para Verdin, é esse o perigo: o surgimento de visionários que buscam o elixir da juventude pode prejudicar as pesquisas biomédicas tradicionais. “A ideia da imortalidade é tão ridícula hoje quanto era há cem, mil anos”, opina.
Ainda que a busca pela vida eterna seja uma aspiração humana, avalia Verdin, não há nenhum sinal de que a ciência esteja perto de alcançá-la. “Nem mesmo o de aumentar em muito a expectativa de vida.”
// BBC