Exposição de Yoko Ono transforma o espectador em parte ativa de suas obras

Rovena Rosa / Agência Brasil

Exposição "O céu ainda é azul, você sabe... "da artista Yoko Ono, no Instituto Tomie Ohtake

Entre pregos, porcelanas quebradas, pedras, capacetes, filmes e depoimentos de diversas mulheres, na exposição O céu ainda é azul, você sabe…, a artista japonesa Yoko Ono convida o visitante a sair da posição de espectador e passar a fazer parte da construção das obras.

Esse sentimento de pertencimento é estimulado por meio de diversas instruções em forma de poemas que levam o público a ser coautor, como na obra Árvore dos Pedidos para o mundo (2016): “faça um pedido e peça à árvore que envie seus pedidos a todas as árvores do mundo”, em que diversas mensagens são colocadas nos galhos que compõe a obra.

A exposição concebida especialmente para o Instituto Tomie Ohtake é formada por 65 peças chamadas de “Instruções”, que evocam a participação do espectador para sua realização. São trabalhos que questionam a ideia por trás de uma obra, destacando a sua efemeridade enquanto a desmitificam como objeto.

Com a curadoria de Gunnar B. Kvaran, crítico islandês e diretor do Astrup Fearnley Museum of Modern Art, em Oslo, a exposição O céu ainda é azul, você sabe… revela os elementos básicos que definem a ampla carreira artística de Yoko Ono, uma das principais artistas experimentais e de vanguarda.

Rovena Rosa / Agência Brasil

Exposição "O céu ainda é azul, você sabe... "da artista Yoko Ono, no Instituto Tomie Ohtake, S.Paulo

A artista e ativista segue questionando o conceito de arte e do próprio objeto de arte. Foi uma das pioneiras a incluir o espectador no processo criativo, convidando-o a desempenhar um papel ativo em sua obra.

E foi o que fez a advogada Bárbara Martins assim que chegou à exposição. Ela procurava uma peça de porcelana no amontoado da obra Remende (1966).

“Gostei bastante dessa montagem das peças, eu prefiro fazer as peças inteiras e as pessoas gostam de fazer trabalhos abstratos, então estou roubando peças dos trabalhos prontos para terminar meu vaso”, disse. Na obra, Yoko Ono instrui o público a consertar xícaras e pratos quebrados e, por meio da ação, também “consertar o universo”.

Para a servidora pública Joanile Verdugo, que já havia elaborado uma peça, a obra estimula a reflexão. “Estou tentando achar outras partes para criar esta peça, é difícil consertar o universo, mas percebi que quando você ajuda o outro é mais fácil, então está faltando isso no mundo”, concluiu.

A exposição reúne trabalhos criados a partir de 1955, quando ela compôs a sua primeira obra-instrução, Lighting Piece (Peça de Acender): “acenda um fósforo e assista até que se apague”. Na exposição, é possível seguir a sua criatividade e produção artística pelos anos 60, 70, 80, até o presente.

A artista tem forte engajamento político e social, sempre presente em suas obras. Em Emergir (2013/2017), ela sugere que o visitante “faça um depoimento de alguma violência que tenha sentido como mulher”. Para participar desta obra, os textos podem ser enviados pelo e-mail para a organização da mostra. As instruções estão no site do instituto.

“É uma chamada aberta para mulheres, depois o material vira parte de um banco de dados que a própria artista tem realizado desde 2013, quando a primeira versão da obra foi realizada”, explica a curadora associada da mostra, Carolina de Angelis.

Ela faz parte do núcleo de curadoria do Instituto Tomie Ohtake e, com seus colegas, ajudou a montar a exposição que teve a coordenação de Paulo Miyada junto com Gunnar B. Kvaran, que esteve no país durante a montagem.

“Essa exposição poderia acontecer em muitos lugares ao mesmo tempo, porque é composta de textos e a partir dos textos algumas adquirem materialidade, outras são apenas reflexivas”, relata Carolina.

Rovena Rosa / Agência Brasil

 Exposição "O céu ainda é azul, você sabe... ", da artista Yoko Ono, no Instituto Tomie Ohtake, S.Paulo

Foi o que percebeu o assistente de arte Guilherme Carnaúba. “A exposição não necessariamente precisaria estar reunida aqui, a ideia é que é tão conceitual que poderia estar em qualquer lugar, num parque, na sua casa, numa viagem, seguindo as diretrizes que a artista dá enquanto espectador”.

Acompanhando um grupo de estudantes, o professor chileno Marcelo Rabanal considerou a exposição interessante. “Gostei da ideia de fazer parte da arte. Algumas pessoas gostam, outras não, mas ficam impressionados com a artista e se perguntam se isso é arte. Yoko Ono sempre esteve nessa linha entre arte e performance”.

Já a estudante argentina Martina Ghidossi gostou da interatividade. “É um lugar que você pode fazer parte da arte e se expressar. Ao visitar a exposição, qualquer um pode sentir isso”.

Mesmo quem não admira a arte interativa pode apreciar a exposição. “Temos que prestigiar, a Yoko Ono tem uma história. Não é o tipo de arte que eu gosto, mas achei a exposição interessante”, aponta a aposentada Marilea Cruz Santos, turista de Joinville (SC).

Instruções de Yoko

As “Instruções” de Yoko Ono oscilam entre sugestões tão sucintas e abertas que se realizam tão logo são lidas, como Respire (1966), Sonhe (1964), Sinta (1963), Imagine (1962). Outras convidam ao contato pessoal: Peça de Toque (1963) e Mapa Imagine a Paz (2003).

Há também as sugestões aplicáveis apenas no campo mental ou imaginário, como Peça do Sol (1962), “observe o Sol até ele ficar quadrado”; Capacetes-Pedaço de Céu (2001/2008), “pegue um pedaço de céu, saiba que todos somos parte um do outro”; Peça para Limpar III (1996), “tente não dizer nada negativo sobre ninguém, por três dias, por 45 dias, por três meses”.

 Exposição "O céu ainda é azul, você sabe... ", da artista Yoko Ono, no Instituto Tomie Ohtake, S.Paulo

Segundo a curadora, pela primeira vez um conjunto tão grande de obras da artista foi traduzido para o português.

“Esse processo de tradução foi bastante intenso, sempre pensando em uma escolha muito delicada das palavras, porque essas instruções são quase poemas, então todas essas palavras são muito bem adequadas e têm um propósito de estarem ali”, frisou.

Filmes

Entre as obras da exposição há ainda uma série de filmes, dois dos quais com a participação de John Lennon na concepção. Em Estupro (77 min, 1969), o músico foi co-diretor e em Liberdade (1970), de apenas um minuto de duração, o ex-companheiro da artista assina a trilha sonora.

Também registrada em filme presente na mostra, Peça Corte (16min 1965) traz a icônica performance da artista realizada no Carnegie Hall (1964, NY), na qual o público pode cortar um pedaço de sua roupa e levar consigo.

Serviço:

Instituto Tomie Ohtake – R. dos Coropés, 88, Pinheiros. São Paulo.
Terça a domingo: das 11h às 20h, até 28 de maio. Livre para todas as idades.
Ingresso: R$ 12, grátis às terças-feiras.

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Como é feito o café descafeinado? A bebida é realmente livre de cafeína?

O café é uma das bebidas mais populares do mundo, e seus altos níveis de cafeína estão entre os principais motivos. É um estimulante natural e muito popular que dá energia. No entanto, algumas pessoas preferem …

“Carros elétricos não são a solução para a transição energética”, diz pesquisador

Peter Norton, autor do livro “Autonorama”, questiona marketing das montadoras e a idealização da tecnologia. Em viagem ao Brasil para o lançamento de seu livro “Autonorama: uma história sobre carros inteligentes, ilusões tecnológicas e outras trapaças …

Método baseado em imagens de satélite se mostra eficaz no mapeamento de áreas agrícolas

Modelo criado no Inpe usa dados da missão Sentinel-2 – par de satélites lançado pela Agência Espacial Europeia para o monitoramento da vegetação, solos e áreas costeiras. Resultados da pesquisa podem subsidiar políticas agroambientais Usadas frequentemente …

Como o Brasil ajudou a criar o Estado de Israel

Ao presidir sessão da Assembleia Geral da ONU que culminou no acordo pela partilha da Palestina em dois Estados, Oswaldo Aranha precisou usar experiência política para aprovar resolução. O Brasil teve um importante papel no episódio …

O que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que ainda intrigam cientistas

Os membros da tribo himba, da Namíbia, contam há várias gerações que a forte respiração de um dragão deixou marcas sobre a terra. São marcas semicirculares, onde a vegetação nunca mais cresceu. Ficou apenas a terra …

Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo …

Chile, passado e presente, ainda deve às vítimas de violações de direitos humanos

50 anos após a ditadura chilena, ainda há questões de direitos humanos pendentes. No último 11 de setembro, durante a véspera do 50° aniversário do golpe de estado contra o presidente socialista Salvador Allende, milhares de …

Astrônomos da NASA revelam caraterísticas curiosas de sistema de exoplanetas

Os dados da missão do telescópio espacial Kepler continuam desvendando mistérios espaciais, com sete exoplanetas de um sistema estelar tendo órbitas diferentes dos que giram em torno do Sol. Cientistas identificaram sete planetas, todos eles suportando …

Em tempos de guerra, como lidar com o luto coletivo

As dores das guerras e de tantas tragédias chegam pelas TV, pelas janelinhas dos celulares, pela conversa do grupo, pelos gritos ou pelo silêncio diante do que é difícil assimilar e traduzir. Complicado de falar …

Pesquisa do Google pode resolver problemas complexos de matemática

O Google anunciou uma série de novidades para melhorar o uso educativo da busca por estudantes e professores. A ferramenta de pesquisa agora tem recursos nativos para resolver problemas mais complexos de matemática e física, inclusive …