Às vezes, fazer parte de uma multidão é mais do que desconfortável: pode ser letal. No ano passado, esmagamentos causados pela aglomeração de pessoas provocaram mortes em lugares como um estádio angolano de futebol, uma praça italiana e um centro de doação de comida no Marrocos.
Esses acontecimentos são trágicos e geralmente evitáveis. Por isso, cientistas no mundo inteiro estão tentando descobrir novas maneiras de minimizar a probabilidade de se repetirem.
“A maior parte do comportamento humano é bem previsível, porque somos seres muito racionais”, diz Shrikant Sharma, diretor do grupo Smart Space da firma britânica de engenharia BuroHappold.
Isso permite que a análise de dados preveja como as pessoas vão se mover no espaço – e como isso pode ser afetado por mudanças no seu comportamento.
A psicologia das multidões existe desde o século 19. Mas foi apenas nas últimas décadas que houve uma grande mudança no entendimento delas como algo além de uma massa sem cérebro.
“A multidão é tão específica psicologicamente quanto o indivíduo”, diz John Dury, especialista em psicologia social de gestão de multidões da Universidade de Sussex, no Reino Unido.
Nos anos 1980, descobertas psicológicas foram aplicadas a rebeliões; nos anos 2000, a emergências em massa; e em 2010, a festivais de música e outros eventos de grande porte.
Agora, a psicologia de multidões está sendo usada em emergências ainda mais especializadas – como ataques CBRN (químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares).
A consciência da multidão
Na verdade, o trabalho de psicólogos e especialistas em desastres apontou que muitas vezes há o surgimento de uma identidade coletiva durante emergências. Essa identidade é chave para determinar se uma multidão vai cooperar ou ser resiliente em uma situação específica.
Em suas entrevistas com os sobreviventes dos ataques de Londres de 2005, por exemplo, Drury e seus colegas descobriram que houve muita cooperação entre membros da multidão: eles confortaram uns aos outros, compartilharam água e providenciaram primeiros socorros.
“É importante não fazer coisas que prejudiquem a emergência desse tipo de identidade social compartilhada”, diz Drury. Já que a identidade de multidão se sobrepõe a outras afiliações, não ajudaria dividir a multidão em, por exemplo, grupos étnicos ou religiosos com a esperança de torná-la mais administrável.
Essas descobertas foram integradas a um guia de respostas de emergência de organizações como o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, NHS.
É crucial entender as regras que governam qualquer tipo de multidão. Tomemos como exemplo as “rodas punk” em shows. Há uma lógica nessa massa de corpos em ebulição, apesar de não ser sempre visível para quem não está nela.
Essa lógica impede fãs de serem esmagados. Significa até que os participantes em um círculo muitas vezes acabem no mesmo local onde começaram. “Os administradores da segurança de uma multidão reconhecem as regras em rodas punk e danças confusas em geral”, diz Drury.
Mas se seguranças inexperientes que não conhecem a cena acreditarem que esse comportamento é perigoso e começarem a aplicar a força física, essa reação pode desencadear o perigo em si.
Isso aconteceu no desastre de 1989 de Hillsborough, quando 96 pessoas morreram ao serem esmagadas em um estádio de futebol em Sheffield, no Reino Unido. Alguns policiais e guardas ficaram tão preocupados com hooligans que suas ações, como separando fãs em grupos apertados, pioraram tudo.
De um ponto de vista psicológico, é também importante não superestimar os perigos de uma multidão. Drury diz que, apesar de desastres serem raros, a mídia e a cultura popular muitas vezes exageram os perigos. É mais dramático para propósitos de narração usar um termo como “pânico” em vez de “evacuação repentina”, por exemplo, apesar de pânico em massa ser raro.
O problema é que, se as pessoas são levadas a acreditar que os outros vão entrar em pânico em uma multidão, então elas ficam mais propensas a entrar em pânico – mesmo na ausência de um perigo real.
Perguntas certas
Shrikant Sharma acredita que fazer a pergunta certa pode ajudar a evitar o desconforto das aglomerações, mesmo até em lugares com recursos limitados.
As estações de trem de Mumbai são famosas por serem superlotadas, por exemplo. Garantir que a informação correta esteja sendo transmitida e prestar atenção em como os passageiros são distribuídos pelas saídas pode ajudar a evitar tragédias como o pisoteamento nas escadas da estação de Elphinstone Road, que resultou em 22 mortes.
Mas apesar do progresso que a ciência de gestão de multidões tenha feito nos últimos anos, há muito o que melhorar ainda.
O trabalho da psicóloga Anne Templeton, da Universidade de Kent (Reino Unido), por exemplo, demonstra que muitas ferramentas de simulação de multidões não conseguem explicar a forma como membros de uma multidão interagem entre si.
Uma “multidão física” (basicamente um grupo de corpos no mesmo espaço) deveria ser visto diferentemente de uma “multidão psicológica” (quando uma multidão tem um senso de identidade compartilhado).
Por exemplo, diz Templeton, “em um nível básico de movimento, multidões psicológicas vão andar mais devagar para manter uma formação próxima com outros membros da multidão”. A sofisticação cada vez maior da modelagem de dados pode permitir que esses fatores mais difíceis de se ver sejam incorporados ao planejamento do cenário.
“Multidões físicas podem se tornar psicológicas em emergências, por isso os modelos computacionais precisam ser versáteis para acomodar a mudança na identidade de grupo e as mudanças comportamentais que acompanham”, diz Templeton.
Multidões podem ser surpreendentemente complexas e sofisticadas. Mas também são as técnicas para compreendê-las.
// BBC