Dos cerca de 20 milhões de itens de valor incalculável que compunham o acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e que foram consumidos pelo incêndio deflagrado no domingo (2), havia uma peça em particular que despertava grande curiosidade entre os visitantes – e não era só pela sua raridade.
Museu Nacional
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A peça em questão era uma rara múmia egípcia, apelidada de Kherima, com cerca de 2 mil anos. De acordo com a BBC, a peça foi trazida para o Brasil em um caixote de madeira em 1824, pelas mãos do comerciante Nicolau Fiengo.
Dois anos depois, foi oferecida para leilão, acabando comprada por D. Pedro I, que a doou posteriormente ao Museu Nacional – que, na época, ainda estava localizado no Campo de Santana, centro do Rio.
Kherima se destacava pelo estilo da mumificação. Apresentava os membros enfaixados individualmente e decorados sobre linho, dando-lhe uma aparência semelhante a uma boneca. Esse tipo de mumificação era diferente do utilizado na época, dando menos atenção aos corpos que eram simplesmente “empacotados”. Além deste exemplar, há apenas oito múmias do gênero em todo o mundo.
“Este era um exemplar muito importante por causa do tipo de mumificação utilizado, que preservava a humanidade do corpo. Neste caso em particular, o contorno do corpo feminino”, explicou Rennan Lemos, doutorando em Arqueologia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e pesquisador do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional do Reino Unido (Seshat).
No entanto, havia outra peculiaridade nesta múmia que atraía o interesse dos visitantes – o poder de transe. Há relatos da década de 60 que revelam: Kherima teria provocado situações de transe em quem se aproximava dela.
Um destes exemplos remonta à década de 1960, quando uma jovem teria tocado nos pés da múmia e, fora si, teria dito que pertencia a uma princesa de Tebas chamada Kherima, assassinada com punhaladas. Outras pessoas relataram sentir um “mal estar súbito” quando se encontravam próximas da múmia.
Sessões de hipnose coletivas
Kherima já tinha se tornado um objeto de culto quando o professor Victor Staviarski, membro da Sociedade de Amigos do Museu Nacional, ajudou a reforçar o misticismo ao seu redor. O professor lecionava cursos controversos de egiptologia e escrita hieroglífica ao som de óperas como Aida, de Giuseppe Verdi, e que incluíam a presença de médiuns e sessões de hipnose coletiva – ao lado da múmia.
Na época, os alunos podiam tocar na múmia e as reações inesperadas que resultava da interação foram alimentando o imaginário popular.
“Algumas pessoas diziam que conversavam com a múmia e ela respondia. Em uma dessas conversas, a múmia teria dito que era uma princesa do Sol, mas isso não tem qualquer sentido científico, uma vez que esse não era um título do Antigo Egito”, acrescenta Lemos.
Técnicas de tomografia permitiram revelar que Kherima era filha de um governador de Tebas, uma importante cidade do Antigo Egito. De acordo com a pesquisa, Kherima teria cerca de 18 a 20 anos e teria vivido durante o Período Romano no Egito, entre o século I e II. A causa da morte nunca foi identificada.
Outra múmia da cantora sacerdotisa egípcia Sha-amun-en-su, foi também reduzida a cinzas no incêndio que destruiu o Museu Nacional. O exemplar foi um presente oferecido a D. Pedro II, em 1876, na sua segunda visita ao Egito.
Com mais de 700 peças, a coleção de arqueologia egípcia do Museu Nacional era considerada a maior da América Latina e a mais antiga do continente – com várias múmias e sarcófagos. Acredita-se que todo o acervo tenha sido destruído.
O museu foi criado por D. João VI, e completaria 200 anos em 2018.