A cientista Julie Young dedicou meses a ensinar seu cão, ZZ Bottom, a parar de perseguir os perus selvagens que eles os dois encontravam durante trilhas pela natureza. “O mais difícil é impedir que ele vá atrás dos esquilos, mas eu o treino e digo para ele ‘senta’ ou ‘fica’, e ele faz isso”, conta ela.
Julie Young é uma pesquisadora de ecologia comportamental do Departamento de Agricultura do Centro Nacional de Pesquisa de Vida Selvagem no Estado de Utah, nos Estados Unidos. Ela estuda o impacto de cachorros sobre a fauna local.
A cientista começou esse trabalho há uma década, na Mongólia, na Ásia, onde estudava bezerros de antílopes saiga, uma espécie ameaçada de extinção. “Eles já estavam ameaçados, e nosso trabalho de campo mostrou que cães de rua estavam perseguindo esses animais”, diz ela.
“Eles fugiam dos cachorros e gastavam mais energia por causa disso, o que é crítico, especialmente durante a época em que havia muitos bezerros, porque eles podiam acabar se separando de sua prole.”
Pesquisas ao redor do mundo apresentam cenários semelhantes – cães sem dono que perseguem animais selvagens e se tornam uma ameaça a espécies que correm risco de extinção.
Conforme cresce a população humana, também aumenta a população destes que talvez sejam nossos maiores companheiros do mundo animal, o que significa que os cães estão invadindo territórios que costumava ser um santuário para a vida selvagem.
Estima-se que hoje existam 1 bilhão de cachorros domésticos no mundo. “Haverá mais conflitos entre cães (e animais selvagens)”, afirma Young.
Um estudo de 2017 em que foram analisados números sobre a ameaça representada por cães revelou que eles estiveram envolvidos na extinção de ao menos 11 espécies, entre elas a Porzana sandwichensis, uma ave do Havaí, e do Tachygyia microlepis, um lagarto de Tonga.
“Cachorros também são uma ameaça conhecida ou em potencial a 188 espécies que correm risco de extinção”, explicaram os autores da pesquisa. “Isso inclui 30 espécies criticamente ameaçadas, das quais duas são classificadas como ‘possivelmente extintas'”.
Isso coloca os cães na terceira posição, atrás de gatos e roedores, como os mamíferos predadores invasores que mais causam danos à vida selvagem.
Jogando a culpa no lobos e coiotes
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos voltou sua atenção recentemente a casos em que cães sem dono atacavam criações de animais e nos quais a culpa tinha sido antes atribuída a lobos e coiotes.
“Na Califórnia, esses bandos de cães vêm provavelmente de fazendas ilegais de maconha que possivelmente usam esses animais para proteger seus cultivos e que, ao fim da temporada de colheita, os libertam”, diz Young. “Esse tipo de cachorro é muito agressivo. Nunca usou uma coleira ou teve um dono.”
O comportamento desses cães de guarda de maconha não é, no entanto, a única ameaça. Eles também podem carregar e transmitir doenças letais para outros animais.
“Esses cães usados para proteger criações de animais são o principal vetor de doenças que afetam tanto animais selvagens quanto humanos”, diz Claudio Sillero, cientista-chefe da Fundação Born Free, uma organização voltada para a defesa da vida selvagem, e fundador do Projeto Lobo da Etiópia, dedicado à preservação dessa espécie.
“Vacinar e controlar a ocorrência de raiva em cães domésticos reduz o impacto sobre a vida selvagem, mas também beneficia o homem, porque é uma doença letal que pode ter consequências terríveis para pessoas que são mordidas por cães vadios. E as criações de animais são suscetíveis a raiva, então, isso gera um custo para uma comunidade rural.”
A equipe de Sillero conseguiu imunizar os lobos da Etiópia por meio de vacinas orais colocadas em iscas. “A maior vantagem dessa abordagem é que ela se torna uma estratégia proativa de vacinação. É menos estressante para o animais sem ter um risco de gerar um distúrbio para sua estrutura social.”
Bom comportamento
Mas, além de medidas assim, o que pode ser feito para que donos de cães os impeçam de ser uma ameaça à vida selvagem? “São necessárias mais pesquisas para quantificar melhor (os ataques de cães a animais selvagens) e entender por que e como isso está ocorrendo e o que podemos fazer para acabar com isso“, afirma Young.
“Não acho que exista uma solução única, mas podemos fazer um trabalho melhor em educação e conscientização. Se as pessoas estiverem mais cientes das consequências, quando um cão começar a perseguir um animal selvagem ou animais de criadores, seus donos podem treiná-lo e controlá-lo.”
Sillero acrescenta que é “essencial que as pessoas assumam sua responsabilidade pela forma como criam e cuidam de seus cães. Cada vez mais, cães domésticos são abandonados e, como eles são criaturas resilientes e adaptáveis, eles conseguem viver na natureza”, afirma o pesquisador.
“Eles formam bandos e procuram comida, que muitas vezes está no lixo ou entre restos deixados por humanos, o que os atraem para vilarejos e cidades. Precisamos de políticas de saúde pública para reduzir um problema sério de saúde e segurança.”
Enquanto isso, Young e seu cachorro continuam a fazer trilhas pela natureza em Utah – sem mais incomodar os perus selvagens. “Não existe cão ruim, existe dono ruim – cães são companheiros do homem, então, nós somos responsáveis pelo comportamento do cachorro.”
// BBC