Tão logo as imagens em alta definição capturadas pelo satélite Gaia, da Agência Espacial Europeia, foram divulgadas publicamente no ano passado, o físico mineiro Filipe Andrade Ferreira, de 27 anos, baixou os arquivos e começou a usar uma técnica elaborada por ele para identificar objetos em ambientes muito densos do espaço.
Para a surpresa de Ferreira, que é doutorando em astrofísica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ferramenta não apenas funcionou como lhe permitiu um feito inédito: descobriu três novos aglomerados de estrelas em movimento na Via Láctea.
Segundo o cientista, é a primeira vez que pesquisadores brasileiros descobrem aglomerados a partir das imagens do Gaia, lançado em 2013 e que, desde o ano passado, permite acessar imagens em 3D da galáxia da qual o sistema solar faz parte.
Ferreira conta que a descoberta foi quase por acaso. “Estava em casa numa tarde mexendo nos dados, não estava procurando aglomerados. Primeiro vi dois montinhos desconhecidos, o terceiro descobri depois. Fiquei empolgado, mas logo pensei que não podia ser possível. Perguntei: será mesmo que ninguém mais achou esses caras?”, recorda o pesquisador que, depois de consultar bases de dados, mandou uma mensagem para o telefone do orientador. “Acho que descobri uns carinhas novos”, escreveu.
Assim que recebeu a mensagem do aluno, o professor Wagner Corradi mobilizou a equipe do laboratório de astrofísica da UFMG para conferir se “os carinhas” eram mesmo novos aglomerados até então não identificados.
Além de Ferreira, que tem se dedicado a explorar áreas densas do Universo, e Corradi, que estuda onde nascem as estrelas, o laboratório conta com pesquisadores como Mateus Angelo e Francisco Maia, que estudam as estrelas mais jovens e as muito velhas, respectivamente – os quatro assinam a publicação junto com o também professor da UFMG João Francisco Santos. Confirmada a descoberta, os pesquisadores correram para dar nome aos três aglomerados e para publicar os resultados do estudo.
Os aglomerados foram batizados em homenagem à universidade e os cinco pesquisadores da UFMG assinaram um artigo na edição de março da conceituada revista científica inglesa Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
“É uma descoberta importante porque foi de uma equipe de brasileiros totalmente radicados no Brasil, e mostra como investimento em pesquisa é fundamental”, afirma Corradi, acrescentando que achados como o desses três aglomerados ajudam a entender melhor a evolução das galáxias bem como de onde viemos.
Centenas de estrelas
Corradi diz que a descoberta não foi meramente golpe de sorte. Salienta que o laboratório, a partir dos estudos de Filipe, criou uma metodologia que permite avaliar deslocamento de objetos e medir distâncias percorridas em zonas densas do Universo.
Além disso, afirma o professor, o aluno tem o mérito de ter “mergulhado” numa área considerada mais jovem para os parâmetros estelares, que normalmente é mais difícil de ser analisada. Cada um dos aglomerados identificados pelos pesquisadores brasileiros reúne mais de 200 estrelas ligadas por meio da gravidade.
O UFMG 1 tem cerca de 800 milhões de anos e está a 5,2 mil anos luz do Sol. Já o UFMG 2, o maior e mais velho dos aglomerados, existe há aproximadamente 1,4 bilhão de anos, tem 600 estrelas e está a uma distância de 4,8 mil anos luz.
O UFMG 3, por sua vez, tem idade estimada em 100 milhões de anos e está a uma distância do Sol similar a do UFMG 2.
Um aglomerado é formado por estrelas que nasceram simultaneamente na mesma região, têm características físicas semelhantes e se movimentam de forma muito parecida. Com o tempo, estrelas de aglomerados tendem a perder a conexão.
// BBC