Desde o referendo sobre o Brexit, realizado em 2016, a rabina Julia Neuberger quer a cidadania alemã e, assim, um passaporte europeu.
Nascida Julia Schwab em Londres, em 1950, como filha de mãe judia que conseguiu deixar a Alemanha nazista para se refugiar na Inglaterra, ela se sente europeia com uma mãe alemã que teve que escapar de seu país. “Mas sempre recebi resposta negativa da embaixada alemã em Londres.”
“Isso não me torna menos britânica, mas me permite resgatar um pouco da minha história”, explicava em 2016 Neuberger, sobre seus esforços para obter um passaporte alemão. Ela admira a Alemanha por “como lidou com seu passado nazista”.
A também baronesa conhece outros judeus britânicos que passaram pela mesma situação. Todos têm antepassados obrigados fugir da Alemanha nazista, e agora, tendo em vista a saída do Reino Unido da União Europeia, querem um passaporte europeu. Mas a maioria só recebeu respostas negativas. “Todos consideramos isso injusto e discriminatório”, frisou Neuberger, em entrevista à Deutsche Welle.
O jornal inglês The Guardian publicou uma matéria nesta quarta-feira (10/07) afirmando que mais de 100 judeus britânicos que, como descendentes de refugiados judeus antes do regime nazista, têm solicitado o passaporte alemão desde 2016, sem sucesso até agora.
Esse é o outro lado do referendo sobre o Brexit realizado há três anos: imediatamente depois, várias centenas de judeus britânicos solicitaram a cidadania alemã para terem um documento da UE, pelo menos como segundo passaporte.
Se em 2015 apenas 43 britânicos solicitaram a cidadania alemã, em 2017 esse número subiu para 1.667 – quase 40 vezes mais. Ninguém consegue dizer exatamente quantos pedidos foram rejeitados. O Departamento Federal de Administração da Alemanha (BVA), responsável por esses procedimentos, afirma que as rejeições são “muito raras”.
As esperanças dos judeus britânicos estão ancoradas na Lei Fundamental Alemã. O Artigo 116-2 prevê que “os antigos cidadãos alemães que tenham sido privados de sua nacionalidade por razões políticas, raciais ou religiosas entre 30 de janeiro de 1933 e 8 de maio de 1945, bem como seus descendentes, serão novamente naturalizados mediante pedido”.
No entanto essa promessa constitucional foi substanciada e limitada por mais regulamentações legais ao longo do tempo. E de acordo com a lei, os filhos legítimos nascidos entre 1914 e 1963 podem adquirir a cidadania alemã do pai alemão. Já os filhos legítimos nascidos a partir de 1º de janeiro de 1975 podem adquirir a cidadania alemã da mãe ou do pai.
Para aqueles – como Julia Neuberger – nascidos antes de 1963 de mãe judia que fugira do país, havia somente exceções para evitar a apatridia, ou prazos de transição entre as duas legislações, há muito expirados. E esse procedimento já havia sido confirmado por tribunais superiores: o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha deliberou nesse sentido em 197; alguns anos mais tarde os prazos de transição se esgotaram.
As organizações judaicas do Reino Unido e Alemanha conhecem o dilema há muito tempo. A ex-presidente do Conselho Central dos Judeus, Charlotte Knobloch, viveu um caso semelhante em sua família antes do referendo sobre o Brexit, envolvendo parentes distantes, que no entanto foi decidido pelo tribunal a favor dos solicitantes.
E o atual presidente do Conselho, Josef Schuster, admitiu numa entrevista de jornal, no início de 2019, que a situação jurídica era “infelizmente tão inequívoca quanto individualmente insatisfatória“. Por isso só resta a possibilidade “que, em casos isolados, principalmente em se tratando de reivindicações de reparações, as autoridades competentes utilizem seu poder discricionário em favor dos envolvidos, permitindo exceções”.
O presidente da Conferência dos Rabinos Europeus, Pinchas Goldschmidt, expressou opinião semelhante. Tendo em vista o sombrio capítulo da história alemã, diz esperar “mais tato e consciência histórica das autoridades alemãs sobre essa questão, em vez de argumentos jurídicos estritamente formais”.
Ele sublinha que, na verdade, a Alemanha deveria alegrar-se que descendentes de judeus perseguidos durante o Terceiro Reich queiram recuperar a cidadania alemã, por confiarem novamente no país. “Seria bom se pudesse ser encontrada para os afetados uma solução não burocrática que, faça justiça à responsabilidade histórica e política da Alemanha”, frisou Goldschmidt.
Stefan Ruwwe-Glösenkamp, porta-voz do Ministério alemão do Interior, explicou que, neste contexto, está sendo “atualmente analisado” se e de que forma as consequências do direito de cidadania ainda hoje relevantes podem ser “atenuadas ou eliminadas”. Devido à complexidade do problema, as considerações para uma solução adequada ainda não estão “completamente concluídas”.
Logo após o fechamento desta matéria, uma boa notícia chegou de Londres, por e-mail: “Atualização rápida”, escreveu a rabina baronesa Julia Neuberger, “acabo de receber minha cidadania – hoje!”. Ela tem 69 anos, e agora é alemã.