Por volta de abril, quando o mundo ainda se perguntava se máscaras ajudavam na prevenção à covid-19 ou se crianças podiam transmitir a doença, já corriam boatos nas redes sociais anunciando pelo menos uma resposta salvadora: a vitamina D, que poderia ser reforçada através de suplementos ou mesmo com a exposição ao sol.
Na época, sociedades científicas e autoridades de saúde alertavam que não havia evidências científicas que sustentassem a defesa do reforço de vitamina D como medida proteção contra a nova doença.
Nesta quinta-feira (3/9), pesquisadores da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, publicaram o que afirmam ser o primeiro estudo que conseguiu avaliar a relação entre níveis de vitamina D e infecção por covid-19.
E o resultado — que deve ser tomados com cautela, segundo os próprios autores — foi: entre pessoas com deficiência de vitamina D, o percentual de infectados foi maior do que na comparação com aqueles sem a deficiência.
Na pesquisa, publicada no periódico científico JAMA Network Open, 489 pacientes que fizeram teste molecular (PCR) para covid-19 tiveram analisados também seus dados sobre níveis vitamina D, que já constavam em um sistema da faculdade de medicina com dados de saúde. Por isso, o estudo é considerado do tipo retrospectivo e observacional — os autores se valeram de dados já registrados, buscando uma conexão entre eles.
Isso é diferente de um estudo clínico randomizado controlado, por exemplo, em que pesquisadores controlam as variáveis (ex: um placebo versus um remédio) e acompanham a evolução do experimento em tempo real, podendo, no fim, mostrar uma relação de causa e efeito. No estudo divulgado nesta quinta-feira, os autores demonstraram uma associação entre os fatores — deficiência de vitamina D e infecção pelo coronavírus —, mas não podem dizer que uma coisa causou a outra.
Os pacientes foram divididos em grupos, combinando informações sobre níveis de vitamina D no corpo registrados há no máximo um ano antes do teste de covid-19 e possíveis tratamentos que puderam ser recebidos desde então. Os participantes foram, então, divididos em quatro categorias: provavelmente deficiente (níveis baixos de vitamina D e tratamento não aumentado); provavelmente suficiente (níveis não deficientes e tratamento não diminuído); e outros dois grupos com deficiência indefinida.
Do total de pacientes incluídos no estudo, 71 (15%) testaram positivo para covid-19. Entre os participantes considerados deficientes para vitamina D, 19% (32 participantes) testaram positivo, enquanto no grupo sem deficiência, o percentual foi de 12% (39).
“Estudos clínicos randomizados controlados com tratamentos para reduzir a deficiência de vitamina D são necessários para determinar se estas intervenções (com vitamina) podem reduzir a incidência de covid-19, incluindo tanto pesquisas com populações amplas como com grupos de particular risco para deficiência de vitamina D e/ou covid-19″, ressaltam os autores.
Por motivos ainda em estudo, a deficiência de vitamina D (ou hipovitaminose) é comum no Brasil e no mundo.
Mas os autores da pesquisa no JAMA Network Open destacam que, nos EUA, a hipovitaminose é mais comum em pessoas de pele mais escura e com menor exposição ao sol, incluindo aquelas vivendo em lugares de latitude mais alta no inverno. Isso coincide com uma maior prevalência da covid-19 na população negra, por exemplo, e entre aqueles vivendo em cidades do norte do país no fim do inverno.
Portanto, podem haver coincidências entre hipovitaminose e infecção pelo coronavírus que impedem falar em uma causalidade.
“A deficiência de vitamina D pode ser uma consequência associada a um conjunto de condições de saúde e hábitos que plausivelmente aumentam o risco da covid-19″, diz o estudo, destacando, porém, que os pesquisadores tentaram isolar estatisticamente o papel de comorbidades como obesidade e hipertensão.
Apesar do nome, a vitamina D é um hormônio. Receptores dele são encontrados em células do sistema imunológico, o que faz supor que a vitamina D tenha um papel no sistema de defesa, o que ainda não foi comprovado totalmente. A vitamina D é ativada sob a exposição ao sol e também adquirida através da alimentação.
// BBC