A lava do vulcão da ilha de La Palma, nas Ilhas Canárias (Espanha), chegou ao oceano Atlântico na noite de terça-feira (28/09), cerca de nove dias depois de ter entrado em erupção.
Imagens exibidas em emissoras de televisão e redes sociais mostram um rio de lava caindo de um penhasco na água do mar e produzindo uma grande nuvem de fumaça.
Especialistas do Instituto Espanhol de Oceanografia que acompanham o avanço da lava ao vivo afirmam que “está sendo gerado um sedimento impressionante de mais de 50 metros de altura” e que continua a crescer.
Este acontecimento, que já preocupava as autoridades, obrigou o Plano de Emergência Vulcânica das Ilhas Canárias (Pevolca) a pedir aos residentes dos bairros vizinhos que não saiam de suas casas.
“Quando a lava chega ao mar, o fechamento deve ser rigorosamente seguido”, disse Miguel Angel Morcuende, diretor do Comitê de Resposta do Pevolca. Além disso, o perímetro de exclusão na costa também foi ampliado para evitar que pessoas se aproximassem da área.
A partir de 27/09, antes da chegada iminente da lava ao oceano, as autoridades determinaram o confinamento de três cidades costeiras. Em várias áreas da cidade costeira de Tazacorte, os residentes também foram orientados a não deixarem suas casas.
Riscos à saúde
Todas essas medidas preventivas foram adotadas porque, ao entrar em contato com a água salgada, a lava de um vulcão como o La Palma pode gerar “explosões e emissão de gases nocivos”, segundo especialistas e autoridades.
“Quando o magma toca o mar, grandes colunas de vapor d’água se formam porque grande parte da água do mar vira vapor. Isso se deve ao grande contraste térmico entre os dois: a lava tem uma temperatura de mais de 900°C, enquanto a água tem cerca de 23°C “, explicou José Mangas, professor de geologia da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria, à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol). “Mas como a água contém cloretos, sulfatos, carbonatos, flúor e iodo (entre outras coisas), os gases tóxicos também se volatilizam.”
Esses gases podem causar irritação na pele, nos olhos e no trato respiratório.
Também teme-se que partes da costa possam entrar em colapso com a passagem da lava vulcânica e causar explosões.
Desde a erupção do vulcão Cumbre Vieja em 19/09, a lava destruiu centenas de casas e plantações de banana. Mais de 6.000 pessoas precisaram ser evacuadas.
Diante da devastação, o governo da Espanha declarou La Palma como uma “zona de desastre”, o que permitirá a transferência do equivalente a R$ 67 milhões para a ilha a fim de fornecer moradia para as pessoas que dela precisam.
Mas a demanda por recursos deve aumentar bastante, já que especialistas estimam que a erupção possa durar semanas ou meses, mas não anos.
“A maioria das erupções na superfície do planeta dura entre um e seis meses. No caso de La Palma, as últimas erupções tiveram durações entre três semanas e três meses. Nesta, é de se esperar comportamento semelhante”, disse o pesquisador José Manuel Pacheco, diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos da Universidade dos Açores, em Portugal, à BBC News Brasil.
O que acontece após uma erupção?
Até agora, a lava do vulcão de La Palma invadiu casas, queimou a vegetação e destruiu tudo o que havia pela frente. Parte acabou de chegar ao oceano Atlântico. Mas o que acontece em seguida?
“Após a erupção, a região afetada pela lava fica como rocha, como o ambiente ‘lunar’. Toda a vegetação é queimada, as estruturas, destruídas”, diz o geólogo Hugo Cássio Rocha, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Brasil. “A curto prazo, o local fica, sim, inutilizado. Com o passar do tempo, a rocha [de formação vulcânica], que é muito porosa, sofre intemperismo, ‘apodrece’ e vira solo. O tempo que isso ocorre depende da temperatura ambiente e da pluviosidade local.”
Segundo o pesquisador José Manuel Pacheco, da Universidade dos Açores (Portugal), “no caso de lavas espessas como as da erupção do vulcão em La Palma, que têm de 10 a 12 metros, será muito difícil voltar a reconstruir sobre elas”, já que haveria problemas de estabilidade nas construções, de funções do solo e até mesmo para a ligação a infraestruturas como água, luz e esgoto.
Se os fluxos de magma forem intensos, o resfriamento pode levar meses. E há também a presença de gases tóxicos.
“São toneladas de gases expelidos pelo vulcão, dentre eles dióxido de carbono e dióxido de enxofre”, explica a geóloga e vulcanóloga Carla Barreto, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Em quantidade acima do limite aceitável na atmosfera, eles se tornam nocivos às pessoas dessas regiões, causando efeitos físicos e mentais.”
Há também risco de novas erupções, tremores de terra e problemas causados pelas cinzas expelidas pelo vulcão.
Por outro lado, um solo de origem vulcânica costuma ser muito fértil, já que o material expelido acaba trazendo uma farta riqueza de sais minerais, em um processo de “reabastecimento natural de nutrientes do solo”, segundo explica Barreto.
Esse processo pode levar alguns anos, se o solo foi atingido “apenas” pelas cinzas, ou milhares de anos, se foi coberto pela lava ressecada e transformada em rochas.
Essa fertilidade é o principal motivo que faz com que muitas populações humanas estejam vivendo em regiões onde no passado houve atividade vulcânica. Mas, como se vê, os efeitos colaterais positivos da erupção podem levar muitos e muitos anos até serem sentidos.
// BBC