A Procuradoria Nacional Antiterrorista (PNAT) da França anunciou a detenção nesta terça-feira (29) de 29 pessoas acusadas de transferir recursos a jihadistas na Síria graças a um circuito sofisticado no qual foram utilizadas criptomoedas.
A rede, ativa desde 2019, operava principalmente por meio da compra de cupons de criptomoedas cujas referências eram repassadas a contatos jihadistas na Síria e que depois eram creditadas em contas de bitcoin, explicou a Procuradoria. Com a operação, centenas de milhares de euros teriam beneficiado em particular membros da Al-Qaeda e do grupo Estado Islâmico.
Esta forma de transferir fundos marca uma ruptura com os métodos anteriores identificados pelos serviços franceses de luta contra o financiamento do terrorismo e de lavagem de dinheiro, que em sua maioria implicavam transferências de pagamento em dinheiro.
“A vigilância constante destas redes levou as organizações terroristas a buscar mais opacidade por meio do uso de moedas criptografadas como o bitcoin”, afirma um comunicado da Procuradoria.
Entre as 29 pessoas colocadas sob custódia policial na França sob suspeita de financiar o terrorismo na Síria, dez estão na lista “S” de radicalização islâmica da polícia francesa, segundo uma fonte do tribunal.
Al-Qaeda e bitcoins
Dois jihadistas franceses, identificados como Mesut S. e Walid F, ambos de 25 anos, são suspeitos de serem os arquitetos da rede. Eles trabalham no nordeste da Síria, segundo os promotores e são suspeitos de serem membros da organização Hayat Tahrir Al-Sham, uma filial do Al-Qaeda.
Os dois foram condenados a 10 anos de prisão à revelia em 2016 e são estão sujeitos a um mandado de prisão internacional. Seus cúmplices foram capturados depois de terem comprado cupons de € 10 a € 150 (R$ 66 a R$ 992) cada, em vários lugares da França nos últimos meses.
De acordo com a acusação, dezenas de pessoas que residem na França têm ido “repetidamente” desde 2019 a tabacarias para comprar anonimamente cupões de criptomoedas com um valor entre € 10 e € 150 e creditá-los em contas abertas no exterior por jihadistas. Os cupons estão disponíveis em vários pontos de venda em todo o país, sem exigir um documento de identidade.
“Risco de morte”
Para o coletivo francês Familles Unies (Famílias Unificadas), as prisões na Síria foram “realizadas em condições traumáticas” com os pais “algemados na frente de seus filhos”. As ajudas enviadas pelos franceses a seus familiares na Síria eram “conhecidas da polícia há anos” e as famílias “sempre foram transparentes a respeito”, explica em nota à imprensa o grupo que pede o repatriamento de seus parentes para a França.
“Estão se recusando a repatriar essas crianças e proibindo as famílias de lhes dar um mínimo de assistência”, denunciou Marie Dosé, advogada de vários detidos. Ela enfatizou que essas famílias “não tinham escolha a não ser enviar dinheiro desta forma” para seus parentes. “Estão pedindo às famílias que se tornem cúmplices da morte de seus entes queridos”, disse ainda a advogada.
Cerca de 150 adultos e quase 300 crianças francesas estão detidos na prisão ou em campos na Síria e no Iraque. Em Al-Hol, no nordeste da Síria, onde dezenas de milhares de deslocados estão aglomerados, 371 crianças morreram apenas em 2019.
Até agora, a França repatriou apenas 28 menores, especialmente órfãos ou filhos das poucas mães que concordaram em se separar de seus cônjuges jihadistas. Questionado pela agência AFP, a PNAT especificou que entre as 29 pessoas ouvidas sob custódia policial, “apenas seis são suspeitos, nesta fase das investigações, de terem enviado dinheiro a pessoas em campos de extremistas”.
Eles foram ouvidos “por razões relacionadas com as necessidades da investigação”. De acordo com a PNAT, mais 21 pessoas foram ouvidas em audiência pública na terça-feira, também por terem enviado dinheiro para parentes nestas condições. “A audiência dessas pessoas é necessária para estabelecer o funcionamento preciso dessa estrutura e sua abrangência”, disse a promotoria.
// RFI