Mais de 80 anos após a morte da pioneira da aviação, que desapareceu sobre o Pacífico em 1937, uma nova investigação descreve o que podem ter sido seus últimos e angustiantes dias – Amelia Earhart pediu socorro, mas ninguém conseguiu ajudá-la.
Na semana após o desaparecimento do seu avião – no dia 2 de julho de 1937 – foram relatadas mais de 120 denúncias. Pessoas de todo o mundo alegavam ter captado sinais de rádio e pedidos de socorro de Amelia Earhart depois de o avião ter desaparecido dos radares – 57 foram considerados confiáveis.
Richard Gillespie, diretor executivo do Grupo Internacional para Recuperação Histórica de Aeronaves, analisou as transmissões finais, pintando um cenário da situação que mostra o desespero da piloto ao longo dos sete dias que podem ter antecedido a sua morte. Nesse novo estudo, que desafia as justificativas até agora apontadas, o especialista esboça uma cronologia, hora a hora dos acontecimentos posteriores à queda do avião.
“Avião caído em uma ilha que não está nos mapas. Pequena e desabitada. Parte do avião em terra”, essa é umas das comunicações que Earhart teria feito em uma das transmissões.
A primeira grande conclusão de Gillespie aponta que Earhart não teria morrido assim que o avião caiu, nem que a aeronave teria desaparecido imediatamente no mar, ao contrário do que foi apontado como mais provável durante os últimos anos.
Pedidos de ajuda e desespero
Segundo o especialista, a piloto teria feito vários pedidos de ajuda após seu Lockheed Electra ter caído. Em uma das transmissões, interceptada por uma mulher do Texas, no dia da queda do avião, Earhart diz que seu navegador, Fred Noona, estava gravemente ferido e precisava de assistência médica.
Em outra transmissão, interceptada no mesmo dia, Nina Paxton, uma mulher de Ashland, no Kentucky, diz ter ouvido Earhart dizer que o avião se encontrava “no oceano, perto de uma ilha pequena“. Prosseguindo: “Daqui é KHAQQ [o código de identificação do seu avião]. Nosso avião está quase sem gasolina. Há água cercando tudo que está à volta. Está muito escuro”, relata o Daily Mail.
A piloto norte-americana continuou, mencionando uma tempestade que estava prestes a assolar a ilha e, por isso, continuava a dizer: “Temos que sair daqui. Não podemos ficar muito mais tempo”.
Essa é a gravação considerada mais credível atribuída à piloto. Paxton, a mulher que interceptou a comunicação, ligou ao jornal local para contar a história, mas apenas sete dias depois após tê-la ouvido.
Quase todos os sinais considerados credíveis podem ser rastreados até a ilha de Gardner, onde o avião teria caído, isolando-os, provavelmente em um recife.
Como explica Gillespie na pesquisa, e reconstruindo uma investigação anterior do seu colega Bob Brandenburg, os sinais só poderiam ter sido enviados à noite, quando a água estivesse a 30 centímetros do avião, deixando a hélice fora de água.
O especialista concluiu que os períodos de angústia, nos quais Earhart pedia ajuda, correspondiam ao período em que a água no recife estava baixa, permitindo assim fazer as comunicações.
“Os rádios dependiam das baterias do avião, mas as baterias eram necessárias para dar a partida no motor de estibordo que é equipado com um gerador que recarrega as baterias”, escreve o pesquisador. “Se os pilotos perdidos descarregassem as baterias ao enviar chamadas de socorro, não seriam capazes de ligar o motor”, sustenta.
“A única coisa sensata a fazer era enviar chamadas de rádio quando o motor funcionava e carregava as baterias. Mas no recife, a maré sobe e a maré baixa”, continuou. Por isso, os sinais só poderiam ser enviados quando a maré estivesse baixa, a cerca de 30 centímetros.
A maioria das comunicações eram feitas à noite, provavelmente porque a escuridão trazia temperaturas mais baixas depois de longos e quentes dias de sol na ilha.
Cada período de transmissão ativa durava cerca de uma hora, seguindo-se um período de silêncio que durava cerca de uma hora e meia. De acordo com Gillespie, esse momento se repetia todos os dias até a maré alta ou a luz do dia.
No dia seguinte, 4 de julho, uma jovem de 16 anos, Dana Randolph, do estado de Wyoming, ouviu alguém dizer: “Quem fala é Amelia Earhart. O avião está um pouco a sul do equador”. Logo a seguir, segundo o relato de Randolph, Earhart começou a detalhar sua localização, mas a voz foi se perdendo.
Nos dias seguintes, as transmissões continuavam a ser interceptadas, mas com muito ruído e cada vez mais inelegíveis. “Ainda vivos. Têm que vir rápido. Digam ao meu marido que estou bem”, diz ter ouvido Howard Coons, em São Francisco.
Já no dia 5, Betty Klenk, em São Petersburgo, na Flórida, garantiu ter ouvido Earhart pedir ajuda médica para o seu navegador, que se encontrava ferido e com um comportamento “irracional”.
No dia 7 – dia onde foi interceptada a última mensagem – Thelma Lovelace, em New Brunswick, no Canadá, relatou ter ouvido: “Alguém consegue me ouvir? Alguém consegue me ouvir aí? Aqui, Amelia Earhart. Por favor, respondam”.
“Apesar de nenhuma dessas pessoas se conhecer, todas contam uma história bastante consistente sobre uma situação que se deteriorava. A linguagem que Earhart usa vai mudando ao longo dos dias, à medida que as coisas pioram”, disse o investigador citado pelo USA Today.
Depois desta quarta-feira, dia 7, não houve qualquer outro sinal confiável, deixando em mistério os últimos dias de Earhart e de seu navegador, Noonan.
“Em algum momento, entre a 1h30 da manhã de quarta-feira, quando foi enviada a última transmissão credível, e a manhã de sexta-feira, dia 9, o Electra foi arrastado do recife para o oceano, onde se partiu e acabou afundando“, escreveu Gillespie no artigo.
“Quando os três aviões da Marinha dos EUA sobrevoaram a ilha na manhã de sexta-feira, já nenhum avião foi encontrado”.
Para Gillespie, esta é a primeira vez que é possível contar a história, ainda que em fragmentos, daquilo que teriam sido os últimos dias da pioneira piloto norte-americana. O especialista publicou a pesquisa na terça-feira (24) – dia que Earhart completaria 121 anos.
Em 1940, três anos após a queda do avião, um conjunto de ossos foi descoberto na Ilha Gardner, agora conhecida como ilha de Nikumaroro.
Segundo Richard Jantz, um especialista em biologia óssea da Universidade do Tennessee que analisou o esqueleto, os restos mortais encontrados têm 99% de probabilidade de pertencerem à mítica piloto.
Há ainda uma teoria que defende que a aviadora foi capturada pelos japoneses, e que acabou morrendo durante o período de detenção.
Amelia Earhart foi a primeira mulher a voar sozinha acima dos 4 mil metros e a primeira a voar de costa a costa, sem paragens, nos EUA.
Ciberia // ZAP