Com aulas presenciais suspensas há nove meses, alunos relatam dificuldade de aprendizado, e professores, desistência dos estudantes. Em São Paulo, estimativa é que 15% dos alunos não tenham participado das atividades.
Com listas de exercícios impressas e preenchidas nas mãos, as gêmeas Bianca e Íris, de 15 anos, estacionam a bicicleta em frente à escola vazia para o último compromisso letivo de 2020, em Ubatuba, litoral paulista. Alunas do nono ano do ensino público da rede estadual, elas vão entregar as atividades finais dias antes do prazo, mas não sentem alívio algum por isso.
“Foi um ano muito complicado. Ficamos quase dois meses sem conseguir entrar na internet para ver as aulas”, diz Bianca, que dividia o celular com a irmã para acompanhar o ensino remoto. “A gente não conseguia entender as atividades. A gente só conseguiu aprender um pouco quando a gente pesquisava”, completa Íris.
Apesar das dificuldades, elas entregaram aos professores tudo o que foi pedido durante a pandemia. Mas não são a regra na rede pública de ensino.
“A ausência dos alunos se mostrou uma tendência crescente desde a metade do ano”, comenta Heleno Manoel Gomes Araújo Filho, professor da rede pública de Pernambuco e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Cnte).
Um diagnóstico preciso desse afastamento da escola, porém, é difícil de fazer neste momento, em que a interrupção das aulas presenciais já dura nove meses. “É difícil fazer mensuração de dados porque temos redes com tamanhos diferentes, escolas rurais, é um cenário muito diverso no país“, adiciona Araújo Filho.
Reprovar ou não reprovar?
Na maior rede pública estadual do país, São Paulo, a secretaria de educação afirma que 85% dos estudantes acompanharam de alguma forma as atividades. “Contamos aqui aquele aluno que entregou pelo menos uma atividade ao longo do ano”, explica Henrique Pimentel, subsecretário de articulação regional. O engajamento, por outro lado, variou. “A gente observou uma tendência de queda no fim do ano”, complementa.
Segundo Pimentel, serão reprovados aqueles que não apresentaram nenhuma das tarefas pedidas desde o início da pandemia. “A possibilidade da reprovação ajudou a recuperar parte dos alunos que tinham desaparecido quando as aulas remotas começaram”, argumenta.
Para aqueles que abriram mão do ensino em 2020 para repetir e voltar para a escola quando a normalidade retornar, a opção não é tão livre assim, alerta Pimentel. “Os pais não têm essa liberdade para escolher que o filho reprove. Essa é uma decisão tomada pelo conselho escolar”, explica, lembrando que o ano letivo se encerra nesta quarta-feira (23/12) no estado.
Mesmo para os alunos que seguiram participando das atividades escolares, este ano de pandemia pode ter impactos negativos, alertam especialistas. O fato de perder a convivência com os colegas, perder o vínculo com a escola e a frustração são apontados como consequências preocupantes para os estudantes.
Falta de preparo e dependência
Para as turmas de ensino médio do professor Antônio, em Ananindeua, Pará, as aulas se estendem até 30 de janeiro. Na escola onde leciona, que tem 1.700 alunos, de 60% a 70% desapareceram desde o início da quarentena.
“Esse será o grande problema de 2021: trazer esses estudantes de volta para a escola”, teme Antônio. O abandono, segundo ele, se deve à dificuldade de os alunos acompanharem o ensino por questões econômicas e tecnológicas numa região marcada por comunidades carentes.
Retomar a qualidade do ensino também será um desafio. “Muitas lacunas estão ficando no processo de formação, que precisará ser resgatado”, opina o professor.
A simples substituição da sala de aula por computador não funcionou como o esperado. “Sofremos com falta de investimento que dê condições ao professor de realizar atividades remotas. Muitos não têm sequer computador, e falta também preparação”, pontua Araújo Filho.
Outro ponto importante, ressalta o presidente da Cnte, é que a rede de educação básica pública atende a população que está na extrema pobreza. “São famílias carentes, que passam o dia fora em busca de trabalho. Ou seja, com as aulas remotas, falta em casa um adulto que ajude na mediação das tarefas, e muitos estudantes não têm autonomia pra desenvolver estudos de forma organizada.”
A dependência do professor e de um guia para a realização das atividades, portanto, é extrema. Com a falta dessa figura presencial no dia a dia, muitos, em dificuldade, acabam desistindo de estudar.
Professor psicólogo
Foi o que aconteceu com pelo menos 22 dos 83 alunos que o professor de Sociologia Mário tem numa escola pública da região central de São Paulo. Desde março, esse é o número de estudantes que não entregaram nem uma atividade sequer.
Percebendo o desânimo, em vez de tarefas típicas, Mário foi criando um espaço aberto para o diálogo. Muitos alunos diziam estar sofrendo de depressão ou relatavam o luto pela morte de um algum familiar por covid-19.
“Passei a tratar psicologicamente dos alunos. Eu passava videos, fazia conversas para que eles não desistissem de tudo”, conta o professor, que leciona no grupo filhos de imigrantes bolivianos, haitianos e africanos.
Numa das últimas atividades do bimestre, em que os alunos escreviam sobre seus sonhos, eram comuns menções sobre o tão esperado fim da pandemia, volta das aulas presenciais, conclusão do ensino médio e ingresso na faculdade.
Entre os recados deixados para os professores, além dos pedidos para que não fossem reprovados, muitos agradeceram. “Obrigada por ser um professor que se importa com seus alunos! Sinto saudade de me sentir como se ‘minha mente tivesse se expandido’ no final das suas aulas”, escreveu uma estudante do primeiro ano do ensino médio que, quando a pandemia acabar, sonha em ser escritora e viajar o mundo.