Os açougues na França têm sido alvo de ataques nos últimos meses. Os profissionais da área da alimentação acusam o que chamam de “militantes veganos”, que atiram pedras, picham as fachadas dos estabelecimentos e invadem abatedouros para filmar.
Associações de proteção animal discordam sobre a eficácia do método para chamar a atenção sobre os maus tratos aos bichos e o excesso do consumo de carne.
Tiphaine Lagarde, do coletivo 269Life, diz que ações ativistas tradicionais não funcionam mais. “É importante para nós não praticar o militantismo tradicional, ou seja, petições e coisas do tipo. É um militantismo que, há 30 anos, não serve para nada, não fez nada pelos animais”, afirma.
“Então fizemos a escolha de um novo caminho estratégico, que já se mostrou eficaz em outros movimentos sociais, como o feminista, que é o da ação direta”. Algumas das chamadas “ações diretas” são ilegais, como, por exemplo, a invasão de abatedouros”.
Quando manifestamos na rua com um cartaz, nos adequamos ao desejo do governo. Pedimos reformas legislativas que não chegam nunca. Vemos claramente na França: as reformas sobre o bem estar animal nunca nem chegaram ao Parlamento. A ação direta devolve o poder político aos cidadãos, porque, no lugar de pedir mudanças ao Estado, agimos por conta própria“, afirma Tiphaine Lagarde.
A ativista também lembra que o Estado francês “não quer reformar o estatuto dos animais, então nós vamos aos abatedouros precisamente para nos colocarmos entre a faca e as vítimas, que são os bichos”.
“Ações são incompreensíveis”
Cédric Neveu, dono de um açougue que foi atacado, contou à RFI sua experiência. Ele diz ter sido acordado, no dia 1° de setembro, pelos barulhos na rua. “Então descemos, vimos um grafite e todos os vidros haviam sido quebrados. Encontramos as pedras e vimos um grupo de cinco a seis pessoas saírem correndo, encapuzados e com luvas. Eles nos vandalizaram”, denuncia.
A pichação dizia “anti-especismo“, levando Neveu a crer que se tratava de militantes veganos. O “especismo” seria discriminação contra todas as espécias não-humanas. “O vidro foi vandalizado com pedras de cerca de 20 centímetros, e depois eles fizeram a pichação, ainda dá para ver os traços de tinta”, lamenta o vendedor.
Um consumidor entrevistado pela RFI disse não entender o porquê da ação militante contra os açougues.
“É lamentável, cada um pensa e faz o que quiser, mas fazer isso, francamente, por quê? Isso demonstra sua estupidez e intolerância. Faz milênios que comemos carne. De uma hora para outra, agora, temos que parar. Uma pergunta: como é que eles matam a couve-flor? Eles a matam carinhosamente? Estou brincando, mas é preciso parar”, diz.
3 milhões de animais são abatidos por dia
Brigitte Gothière, fundadora da associação L214, não concorda com os ataques contra os açougues. “Somos completamente contra as ações violentas. Para nós, isso transforma o debate em algo irritante e parcial. Certas ações fazem com que o debate seja sobre os ativistas e seus métodos, ao invés de discutir nosso comportamento social em relação aos animais”, declara.
Mas Gothière aponta dados impressionantes sobre a criação e o consumo de carne. “Na França, hoje, matamos 3 milhões de animais terrestres nos abatedouros todos os dias. E vários milhões de peixes são retirados da água para terminar nos estábulos”.
“Temos uma imagem estranhamente falsa da condição da criação de animais. Na realidade, 80% dos animais criados para o consumo na França estão em locais de criação intensiva, sem acesso ao mundo exterior”. Alguns bichos ficam apenas em prédios fechados, enquanto outros permanecem em gaiolas, diz a ativista.
A discussão em torno de um consumo excessivo de carne está no centro de diversas questões ambientais atuais. As ações dos grupos militantes na França são extremistas para uns e necessárias para outros, mas não deixam de chamar ainda mais atenção sobre o assunto.