Boicotes podem ser extremamente eficazes: é o que o Facebook está descobrindo.
No final do século 18, o movimento abolicionista encorajou o povo britânico a ficar longe de bens produzidos pelos escravos. Funcionou. Cerca de 300 mil pessoas pararam de comprar açúcar – aumentando a pressão para abolir a escravidão.
A campanha Stop Hate for Profit (Pare de Dar Lucro ao Ódio) é o mais recente movimento para usar o boicote como ferramenta política. Alega que o Facebook não faz o suficiente para remover conteúdo racista e de ódio de sua plataforma.
Convenceu uma série de grandes empresas a suspender publicidade no Facebook e de outras empresas de rede social. Entre as mais recentes estão Ford, Adidas e HP. Elas se juntam a empresas que já tinham aderido ao movimento, incluindo Coca-Cola, Unilever e Starbucks.
A Microsoft também suspendeu a publicidade no Facebook e no Instagram em maio devido a preocupações com “conteúdo inapropriado” não especificado, segundo informação publicada pelo site de notícias Axios e confirmada pela BBC. Enquanto isso, outras plataformas online, como Reddit e Twitch, aumentaram a pressão, tomando suas próprias medidas contra o ódio.
Perda de confiança
Esse boicote pode prejudicar o Facebook? A resposta curta é sim: a maior parte da receita do Facebook vem de anúncios.
David Cumming, da Aviva Investors, disse ao programa Today, da BBC, que a perda de confiança e a ausência aparente de um código moral podem “destruir os negócios”. Na sexta-feira, o preço das ações do Facebook caiu 8%, tornando, em teoria, a empresa do executivo-chefe Mark Zuckerberg mais pobre em US$ 60 bilhões em dois dias.
Mas está muito menos claro se isso pode ser algo maior, como uma ameaça para o futuro a longo prazo do Facebook. Primeiro de tudo, este não é o primeiro boicote a uma empresa de mídia social.
Em 2017, várias grandes marcas disseram que deixariam de anunciar no YouTube – depois de anúncios terem sido colocados ao lado de vídeos racistas e homofóbicos. Esse boicote, agora, está quase totalmente esquecido. O YouTube aprimorou suas políticas de anúncios e, três anos depois, a empresa que controla o YouTube, que é o Google, está indo muito bem.
E há mais razões para acreditar que esse boicote não é tão prejudicial ao Facebook quanto você imagina.
Muitos pequenos anunciantes
Em primeiro lugar, muitas empresas se comprometeram apenas com um boicote de um mês, em julho. Em segundo lugar, e talvez ainda mais importante, grande parte da receita de publicidade do Facebook vem de milhares e milhares de pequenas e médias empresas.
Segundo a CNN, as 100 marcas que mais gastaram foram responsáveis por US$ 4,2 bilhões em publicidade no Facebook no ano passado, ou cerca de apenas 6% da receita de publicidade da plataforma. Até agora, a maioria das empresas de médio porte não aderiu ao boicote.
Mat Morrison, chefe de estratégia da agência de publicidade Digital Whiskey, disse que há um grande número de empresas menores que “não podem se dar ao luxo de não anunciar”. Ele diz que, para essas empresas menores, são essenciais os anúncios em plataformas como o Facebook, mais baratos e mais segmentados.
“A única maneira pela qual nossos negócios funcionam é por meio do acesso a esses públicos altamente segmentados, que não são públicos de mídia de massa, por isso continuaremos anunciando”, diz Morrison.
De certa forma, o Facebook parece uma boa escolha de empresa para fazer lobby. A estrutura do Facebook dá a Mark Zuckerberg uma enorme quantidade de poder para efetuar mudanças. Se ele quer alguma coisa, ele vai conseguir. Você só precisa influenciar a mente de um homem.
Mas o contrário também é verdadeiro. Os acionistas não conseguem pressionar Zuckerberg da mesma maneira que outras empresas. Se ele não quiser agir, ele não vai.
Até agora, porém, ele mostrou sinais de que está preparado para agir. Na sexta-feira, o Facebook anunciou que começaria a sinalizar conteúdo de ódio. E mais anúncios são esperados em breve. Mas essas mudanças não serão suficientes para fazer com que o Stop Hate for Profit acabe.
E, em outros lugares, outros estão agindo por conta própria.
Nesta segunda-feira, o Reddit excluiu o fórum The_Donald como parte de uma repressão mais ampla a “subreddits”, cujos membros se envolveram em assédio e comportamento ameaçador. A comunidade não estava oficialmente ligada ao presidente americano Donald Trump, mas ajudava a espalhar memes que o apoiavam, antes de o Reddit tomar medidas anteriores para limitar o alcance dos posts.
Além disso, o site de streaming Twitch baniu temporariamente uma conta administrada pela campanha de Trump. O Twitch, que pertence à Amazon, disse que dois vídeos dos comícios de Trump que foram mostrados em sua plataforma violaram suas regras de conduta de conteúdo de ódio.
Um deles é de 2015, antes da eleição de Trump, no qual ele havia dito que o México estava enviando estupradores para os EUA. O outro foi do início de junho, no qual o presidente havia descrito um “hombre duro” fictício invadindo a casa de uma americana. “Não abrimos exceções para conteúdo político“, disse o Twitch em comunicado.
Este ano será um ano difícil para todas as empresas de mídia social. O Facebook não é uma exceção. Mas as empresas sempre serão guiadas por seus balanços.
Se o boicote se prolongar por alguns meses, e se mais e mais empresas aderirem a ele, este pode ser um ano decisivo para a rede social.
// BBC