Desde as descobertas da missão Messenger, em 2012, os cientistas sabem que existe gelo em Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol. A água congelada fica nos polos, dentro de crateras eternamente escondidas da luz solar. Mas, agora, um novo estudo revela algo ainda mais inusitado: o calor intenso do planeta provavelmente ajuda a criar esse gelo.
Embora isso pareça estranho, Brant Jones, principal autor do estudo, garante que se trata apenas de química básica. Ele explica que o calor extremo da parte iluminada do planeta, que pode atingir até 425 °C, combinado com as temperaturas super-frias nas crateras, que vão até -200 °C, podem agir como um “laboratório de química para fabricação de gelo”.
Na verdade, o processo de criação de gelo em Mercúrio é semelhante ao que acontece na Lua. De acordo com um estudo de 2009, partículas do vento solar eletricamente carregadas interagiam com o oxigênio presente em alguns grãos de poeira na superfície lunar para produzir hidroxila (OH), que é uma molécula composta por um átomo de hidrogênio e um átomo de oxigênio.
Brant trabalhou com outros cientistas para ampliar a compreensão desse processo. Assim, em 2018 eles mostraram que, embora esse fenômeno na Lua produzisse quantidades significativas de hidroxilos, produzia muito pouca água molecular. A equipe criou um modelo do processo lunar, mas “a importância não era tão significativa na Lua devido às temperaturas muito mais baixas”, escreveu um dos pesquisadores.
Em outras palavras, esse fenômeno parece ter ajudado a criar apenas uma parte muito pequena da água lunar. Ainda assim, o processo poderia ocorrer em outros corpos que recebem vento solar e com calor o suficiente para produzir mais água. “Para criar água molecular, você precisa de mais um ingrediente, que é o calor“, disse Brant. E, bem, existe bastante calor e muito vento solar em Mercúrio.
Além do calor, os minerais na superfície do planeta contêm bastante moléculas do grupo hidroxila. A temperatura extrema ajuda a liberar esses grupos e os energiza para se colidirem e se desprenderem em moléculas de água e hidrogênio que passam a flutuar pelo planeta. Algumas moléculas de água são quebradas pela luz solar e se dissipam. Mas outras caem perto dos polos de Mercúrio, nas crateras geladas, e ficam presas lá.
Essas moléculas esfriam, se aglomeram e se transformam em parte do crescente gelo glacial do planeta. “É um pouco como a música Hotel California. As moléculas de água podem se hospedar nas sombras, mas nunca podem sair“, disse o colega de Brant, Thomas Orlando.
Se você estiver se perguntando quanto gelo foi criado em Mercúrio com esse processo, a equipe de Brant chegou a uma conclusão. Eles entenderam que a quantidade total dessa água que se tornaria gelo é de incríveis 10 trilhões de quilogramas durante um período de cerca de 3 milhões de anos.
“O processo pode facilmente representar até 10% do gelo total de Mercúrio”.
// CanalTech