Pesquisadores da Baylor College of Medicine (Texas, EUA) conseguiram fazer pessoas cegas “enxergarem” letras escritas em seus cérebros com eletricidade.
A tecnologia ainda é precoce, mas pode ser usada um dia para estimular o cérebro e restaurar a visão das pessoas. Os cientistas testaram sua abordagem, chamada de “prótese visual”, tanto em pessoas que podiam enxergar quanto em pessoas que perderam a visão quando adultos.
Eles colocaram um implante no córtex visual do cérebro dos participantes, capaz de estimular essa região através de correntes elétricas. Essas correntes, por sua vez, enviavam padrões que “persuadiam” o órgão a ver letras que não estavam lá.
Em outras palavras, esses estímulos faziam o cérebro “traçar” formas que os participantes podiam “ver”.
Fosfenos
As correntes elétricas faziam o cérebro dos participantes gerarem fosfenos, pequenos pontos de luz que podemos perceber sem que nenhuma luz real entre em nossos olhos. Sabe quando você esfrega os olhos em um ambiente escuro e vê pontos de luz estranhos? É isso.
Os cientistas sabem que é possível criar fosfenos – um produto do nosso processamento visua – através de estimulação elétrica desde 1775. Já a ideia de usá-los para gerar imagens no cérebro surgiu na década de 1960.
Acontece que fazê-los tomar formas inteligíveis automaticamente, como pixels individuais na tela de um computador, não é uma tarefa das mais fáceis. A equipe do novo estudo contornou essa dificuldade usando uma técnica parecida com a de implantes cocleares.
Em detalhes
Os cientistas colocaram uma série de eletrodos sobre os córtices visuais – especificamente, uma região chamada V1, onde ocorre o processamento inicial da informação vinda da retina – de cinco participantes: três com visão normal, e dois cegos.
Os indivíduos com visão normal já estavam passando por cirurgia para implantar eletrodos como parte de um tratamento para epilepsia. Os cegos tinham participado de um estudo anterior sobre próteses visuais e já tinham implantes.
Na V1, cada região diferente corresponde a zonas de nosso campo de visão, como o canto superior direito ou inferior esquerdo. Se os cientistas ativavam um eletrodo por vez, os participantes viam um fosfeno aparecer na zona prevista.
Infelizmente, ativar vários eletrodos de uma só vez não fazia os fosfenos aparecerem em formas coerentes. Para conseguir isso, os pesquisadores tentaram uma estratégia diferente: “passaram” uma corrente elétrica por vários eletrodos a fim de traçar padrões e gerar formas reconhecíveis.
Uma vez que o cérebro é “preparado” para detectar mudanças em nosso ambiente, os cientistas imaginaram que ele rastrearia um padrão de fosfenos apresentados um após o outro. Essa é uma abordagem semelhante à utilizada por implantes cocleares para gerar diferentes tons auditivos.
Com essa técnica, os cientistas desenharam formas de letras, como “W”, “S” e “Z”, na superfície de V1 – de cabeça para baixo e de frente para trás, pois é assim que a informação visual geralmente atinge o córtex visual de nossos olhos – e os participantes conseguiram percebê-las com sucesso.
Próximos passos
Infelizmente, existem muitos desafios a serem superados antes que esta pesquisa se torne um produto comercializável.
Por exemplo, próteses visuais práticas devem conter milhares de eletrodos, enquanto o protótipo utilizado pelo estudo só tinha algumas dúzias. Além disso, é necessário inventar novos eletrodos que permaneçam compatíveis com o tecido cerebral por longos períodos de tempo.
Acima de tudo, disseram os pesquisadores, para tornar dispositivos protéticos visuais realmente úteis para pacientes cegos, eles precisam melhorar a qualidade de vida.
De acordo com os cientistas, versões mais avançadas do dispositivo poderiam funcionar de maneira semelhante a implantes cocleares, que estimulam os nervos do ouvido com eletrodos para melhorar a capacidade auditiva do usuário.
“A capacidade de detectar a forma de um membro da família ou de permitir uma navegação mais independente seria um avanço maravilhoso para muitos pacientes cegos”, disseram os pesquisadores do novo estudo, o neurocientista Michael Beauchamp e o neurocirurgião Daniel Yoshor, ambos da Baylor College of Medicine, ao Live Science.
Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista científica Cell.
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