Os deputados russos aprovaram nesta terça-feira, em primeira leitura, uma lei destinada a proibir a eleição de membros de organizações classificadas como “extremistas”. A medida visa o movimento do principal opositor do Kremlin, Alexei Navalny, detido atualmente após ter sido envenenado.
O texto recebeu 293 votos a favor, e 45 contra. Mas antes de se tornar lei em definitivo, o projeto ainda precisa ser aprovado em segundo e terceiro turnos pela Duma, a Câmara dos Deputados, e depois pelo Conselho da Federação, a Câmara Alta.
O projeto de lei proíbe a candidatura para as eleições de qualquer pessoa envolvida em uma organização “extremista” e alcança qualquer indivíduo que tenha ocupado um cargo hierárquico em uma organização três anos antes de ser classificada como “extremista”. Para os meros militantes, a retroatividade é de um ano.
As organizações vinculadas a Navalny estão sendo processadas nesse momento, e a Promotoria pediu que fossem classificadas como “extremistas”, a quatro meses das eleições legislativas. A disputa eleitoral, prevista para setembro, acontece em um contexto de forte impopularidade para o partido da situação, Rússia Unida, do presidente Vladimir Putin.
Até um ‘like’ no Facebook é prova de militância
“Há uma vontade de criar um instrumento [jurídico] que permita afastar das eleições todos os que participaram de perto ou de longe das atividades de Navalny, mesmo que seja um simples ‘like’ no Facebook”, explica a cientista política Tatiana Stanovaya, que dirige o centro de pesquisas R.Politik, especializado na observação das elites russas. “É preciso entender que, para o Kremlim, isso é uma guerra de erradicação, uma operação de limpeza do campo político”, pontua a pesquisadora.
O projeto votado nesta segunda-feira foi criticado por deputados do Partido Rússia Justa (centro-esquerda) e do Partido Comunista (PC), que, em geral, acompanham o governo. “Estão sendo violadas tantas disposições constitucionais que nem sei como é possível discutir isso e como se pode votar a favor”, denunciou Valeri Gartoung, do Rússia Justa.
A eleição de setembro será delicada para o Rússia Unida. Apesar da popularidade do presidente Vladimir Putin, no poder há mais de 20 anos, sua legenda enfrenta um cenário pouco animador, alimentado pela estagnação econômica do país e escândalos de corrupção.
Nos últimos anos, o Rússia Unida sofreu vários fracassos em eleições locais e Navalny contava com essa impopularidade, apresentando seus próprios candidatos ou incentivando o eleitorado a votar nos mais bem colocados contra o Kremlin, na campanha que eles chamam de “voto inteligente”.
A oposição russa também está fragilizada, mas sua mobilização preocupa o Kremlin. O governo “está diante de pessoas eficazes, inteligentes, e que se arriscam para melhorar a vida do país. Se tornou evidente que o inimigo número 1 era Navalny e suas equipes, que são bastante ativas”, resume Cécile Vaissié, professora de estudos russos e soviéticos da Universidade de Rennes, na França.
Navalny, inelegível desde 2017, está na prisão depois de ter sido condenado em fevereiro passado a dois anos e meio em um caso de fraude que data de 2014, considerado como político. Sua detenção ocorreu poucos meses após o envenenamento que o levou à beira da morte. O Kremlin é acusado de ser responsável pelo crime, mas o governo nega qualquer envolvimento no episódio.
“Ingerência estrangeira”
Um deputado do Rússia Unida, Vasili Piskarev, disse que o texto votado nesta terça busca conter “as tentativas de interferência estrangeira” que “vão aumentar antes das eleições”. A equipe de Navalny denunciou, por outro lado, o projeto como “um disparate absoluto”.
Em meados de abril, o Ministério Público exigiu que várias organizações ligadas à oposição fossem declaradas “extremistas”, o que pode se traduzir em duras penas de prisão para seus integrantes. De acordo com o MP, as organizações de Navalny tentam “desestabilizar a situação social e sócio-política” na Rússia, “sob o disfarce de slogans liberais”.
A lista de organizações extremistas, controlada pelo ministro da Justiça, inclui cerca de 30 grupos, que vão desde organizações neonazistas ou jihadistas, como o Estado Islâmico (EI), até Testemunhas de Jeová.
// RFI