Dividida desde a semana passada sobre o novo coronavírus representar ou não uma emergência mundial de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sofreu pressões da China para não intensificar o alerta a respeito da epidemia.
A doença, batizada de 2019-nCov, já matou pelo menos 132 pessoas no país. Segundo o jornal Le Monde, a decisão de não decretar a emergência foi “resultado de uma oposição categórica da China e seus aliados”.
Em reportagem de capa na edição desta quinta-feira, baseada em fontes de diferentes nacionalidades junto à organização, o diário francês afirma que “as considerações políticas parecem ter superado os argumentos científicos” na hora de prorrogar o decreto.
A mudança resulta em uma série de medidas coordenadas entre os países para conter uma epidemia – mas, ao mesmo tempo, exporia ao mundo que Pequim não conseguiu controlar a propagação da doença.
Na reunião de quarta-feira passada, o comitê de emergências da OMS, formado por 15 integrantes e seis conselheiros, se dividiu em dois quanto à avaliação da situação, que seria transmitida na sequência ao diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Representantes da China, Japão, Coreia do Sul e Tailândia, os mais afetados pelo novo coronavírus, foram convidados a participar.
Segundo o Le Monde, foi a partir deste momento que as pressões se acentuaram, com o chinês insistindo que era “fora de questão” declarar uma emergência internacional.
Na ocasião, o chefe da organização acabou não decretando a urgência mundial – decisão mantida no dia seguinte, quando comunicou, entretanto, a existência de uma divisão interna. Mesmo assim, até agora, a OMS ainda não mudou sua posição.
Medidas obrigatórias para 196 países
Le Monde relata ainda que o atraso na declaração de emergência teve um objetivo preciso para a OMS: conseguir viabilizar o envio de uma equipe internacional de especialistas ao país para verificar de perto a situação. O compromisso de Pequim nesse sentido foi obtido por Tedros durante uma visita oficial a Pequim, entre os dias 27 e 28, de acordo com um comunicado publicado no site da entidade.
O dispositivo para emergências mundiais de saúde pública foi revisto em 2005, justamente na sequência da epidemia de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa), originada na China e sobre a qual Pequim dissimulou informações.
A nova determinação obriga os 196 países-membros a adotarem medidas especificas de prevenção e inclui restrições de viagens, inclusive comerciais, entre outras recomendações.
Por que tantas epidemias vêm da Ásia?
O histórico de omissões da China quando o assunto é epidemia não é de hoje. O continente asiático costuma ser a origem de coronavírus, uma cepa que passa de animais para o homem.
Além da superpopulação, especificidades culturais ajudam a explicar essa propensão: nos países asiáticos, é comum a venda de animais silvestres e vivos nos mercados a céu aberto, para serem consumidos na gastronomia. Desta forma, morcegos, serpentes e até lobos são comercializados.
O problema é que os controles sanitários nem sempre são eficientes. Foi assim no surgimento da Sars, em um mercado público do sul do país chinês. A gripe asiática de 1957, que se transformou em pandemia e causou 1,1 milhão de mortes no mundo, foi transmitida ao homem pelo pato.
Agora, após a aparição do novo coronavírus em um mercado de Wuhan, a China proibiu temporariamente a venda de animais vivos para consumo humano.
// RFI