Sabe aqueles traumas de experiências duras como abusos repetidos na infância, que ficam escondidos como sombras no cérebro – e podem causar problemas psicológicos graves, como ansiedade e depressão?
Cientistas da Universidade Northwestern, nos EUA, conseguiram descobrir onde eles se escondem e apagar essas memórias perturbadoras do cérebro de ratinhos. A boa nova saiu nesta segunda-feira (21) na Nature Neuroscience.
A descoberta pode abrir caminho para a criação de novas terapias para ajudar pacientes com distúrbios causados por este tipo de memória traumática, que hoje é difícil de acessar. Segundos os pesquisadores, os caminhos para a formação de memórias em geral depende da ação de dois aminoácidos específicos nos nossos cérebros, chamados glutamato e GABA.
“Nossos achados mostram que há múltiplos caminhos para guardar memórias indutoras de medo, e encontramos uma via importante para a formação destas lembranças relacionadas ao medo”, conta Jelena Radulovic, professora da Universidade Northwestern e líder do estudo.
“O cérebro funciona em diferentes estados, como um rádio que opera nas frequências AM e FM. É como se o cérebro normalmente estivesse sintonizado nas frequências FM para acessar as memórias, mas precisa mudar para as estações AM para ter acesso às lembranças do subconsciente“, diz.
“Se um episódio traumático acontece quando os receptores extrassinápticos de GABA estão ativos, a memória deste evento não pode ser acessada a não ser que estes receptores sejam novamente ativados, sintonizando o cérebro nas estações AM”, compara Jelena.
No experimento, os pesquisadores encheram o hipocampo, região do cérebro apontada como responsável pela formação de memórias, dos camundongos com gaboxadol, uma droga que estimula os receptores extrassinápticos de GABA.
Os animais foram então postos em uma caixa onde receberam um breve e moderado choque elétrico. No dia seguinte, os cientistas colocaram os camundongos na mesma caixa e eles não exibiram qualquer sinal de medo. Entretanto, quando administraram a droga novamente, os animais pararam de se mover, temendo um novo choque.
Segundo os pesquisadores, quando os receptores extrassinápticos de GABA foram ativados pela droga, eles mudaram o caminho em que a memória do evento estressante foi codificada, tanto com relação aos circuitos cerebrais quanto no nível molecular.
Os aminoácidos glutamato e GABA conduzem nossas marés emocionais controlando se nossas células nervosas estão excitadas ou inibidas.
Sob condições normais, este sistema está em equilíbrio, mas quando estamos vigilantes, a concentração de glutamato aumenta. Isto faz com que o aminoácido seja o principal composto que ajuda a guardar as memórias em circuitos cerebrais de forma que elas sejam facilmente lembradas.
O GABA, por sua vez, nos acalma e ajuda a dormir, bloqueando a ação do glutamato.
Mas existem dois tipos de receptores de GABA em nossos cérebros. Um deles, conhecido como receptor sináptico de GABA, trabalha em conjunto com os receptores de glutamato para balancear a resposta do cérebro a eventos externos, estressantes ou não.
Já o outro tipo, os chamados receptores extrassinápticos de GABA, funciona como agentes independentes, ignorando o glutamato e se focando em aspectos internos, ajustando as ondas cerebrais, e os estados mentais, de acordo com os níveis de diversos compostos químicos presentes no cérebro, como o próprio GABA, hormônios sexuais e outras proteínas.
Assim, são os receptores extrassinápticos de GABA que alteram o estado anímico de nossos cérebros, fazendo com que nos sintamos excitados, sonolentos, alertas, sedados, inebriados ou mesmo psicóticos.
E o experimento mostrou que também são estes receptores os que ajudam a codificar as memórias de eventos traumáticos e guardá-las escondidas da mente consciente.
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