Depois de sufocar a oposição e barrar observadores, ex-guerrilheiro sandinista conquista quarto mandato consecutivo com 75% dos votos. EUA e UE repudiam pleito como ilegítimo; enquanto Rússia e Venezuela aplaudem.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, foi reeleito para um quinto mandato de cinco anos, o quarto consecutivo, após obter 75% dos votos na eleições gerais deste domingo, segundo resultados oficiais preliminares divulgados nesta segunda-feira (08/11). A vitória esmagadora do ex-guerrilheiro, depois de suprimir abertamente seus rivais de campanha, despertou repúdio internacional.
Após a apuração da metade das urnas, o Conselho Supremo Eleitoral (CSE) anunciou que o segundo lugar, com apenas 14,4% dos votos, coube ao liberal Walter Espinoza, considerado colaborador do governo.
As críticas de diversas nações ocidentais começaram meses antes do pleito, quando Ortega deteve adversários eleitorais e empresários, cancelou partidos rivais e criminalizou a dissidência.
Sete eventuais adversários que poderiam ter representado um sério desafio à reeleição de Ortega estão presos, juntamente com 32 opositores. No fim, só concorreram contra ele cinco candidatos pouco conhecidos, de partidos pequenos, aliados do partido de Ortega, a socialista Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).
A observadores da União Europeia (UE) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi negada permissão para fiscalizar a votação neste domingo, enquanto jornalistas tiveram barrada a entrada no país.
O observatório independente Urnas Abertas apontou várias irregularidades na votação de domingo. Segundo o observatório, houve 200 atos de violência política nos locais de votação. Também teriam sido registradas ações de coerção ao voto ou facilitação para ir votar, como uso de ambulâncias para transportar eleitores.
O CSE estimou em 65% o comparecimento às urnas, enquanto o Urnas Abertas estima que a abstenção tenha alcançado 81,5%.
“Zombaria” e “pantomima”
A UE rejeitou os resultados, comentando que as eleições “completam a conversão da Nicarágua num regime autocrático“.
As eleições de domingo “carecem de legitimidade” após Ortega ter eliminado toda a concorrência eleitoral credível”, diz um comunicado assinado pelo chefe de política externa da UE, Josep Borrell. Todos os 27 Estados-membros do bloco acusaram o governante de “encarceramento, hostilização e intimidação sistemáticos” de oponentes, jornalistas e ativistas.
Madri criticou especificamente o processo eleitoral: “Foi uma zombaria, uma zombaria em relação ao povo da Nicarágua, uma zombaria em relação à comunidade internacional e, sobretudo, uma zombaria em relação à democracia”, declarou o ministro espanhol do Exterior, José Manuel Albares.
Acusada de violações constantes dos direito humanos, Manágua condenara na véspera, por sua vez, a “inadmissível intromissão do governo do Reino da Espanha nos assuntos internos”.
Numa declaração divulgada antes dos resultados, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, haviam orquestrado uma “eleição de pantomima, que não foi nem livre, nem justa”.
Biden instou seu homólogo centro-americano a restaurar a democracia e liberar os líderes oposicionistas. Enquanto isso não acontecer, os EUA usarão “todas as ferramentas diplomáticas e econômicas” disponíveis para responsabilizar o governo Ortega, disse.
Autoridades americanas já cogitam impor novas sanções contra o governo, além de revisar o papel da Nicarágua no Tratado de Livre Comércio entre República Dominicana, América Central e EUA (TLC ou DR-CAFTA, na sigla em inglês).
Por outro lado, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, felicitou seu aliado nicaraguense. O ministro do Exterior da Rússia, Serguei Lavrov, também expressou apoio ao chefe de Estado reeleito, classificando como “inaceitável” os apelos dos EUA para que outros países repudiem o resultado das apurações.
Aumento de emigração à vista
No domingo, o líder político há mais tempo no poder nas Américas saudou o pleito como uma vitória fornecida pela “imensa maioria dos nicaraguenses” e investiu contra os adversários internos, chamando-os de “demônios”.
Ortega afirma estar defendendo a Nicarágua de adversários inescrupulosos, que tencionariam fazê-lo cair com a ajuda de poderes estrangeiros. Seu governo aprovou diversas leis que facilitam processar opositores por crimes como “traição da pátria”.
O ex-revolucionário sandinista, que ajudou a derrubar a ditadura de direita da família Somoza no fim dos anos 70, serviu primeiramente um único mandato presidencial na década de 80, perdendo as eleições seguintes. Em 2007, voltou a assumir a presidência.
Tendo inicialmente assegurado crescimento econômico sólido e atraído investidores privados, Ortega mudou de curso em reação aos protestos de 2018 exigindo a renúncia de seu governo. Mais de 300 cidadãos foram mortos na subsequente onda de repressão.
Desde então, milhares abandonaram o país. No domingo, um grande grupo de exilados nicaraguenses se reuniu em Costa Rica, em protesto contra Ortega.
Analistas estimam que o descontentamento prolongado vá gerar mais emigração para a vizinha centro-americana e para os Estados Unidos, em cuja fronteira um número recorde de nicaraguenses foi detido no ano corrente. Sanções e outras medidas de pressão internacional deverão piorar ainda mais a situação.