A professora Megg Rayara Gomes de Oliveira é quase uma celebridade entre as rampas e corredores da reitoria da Universidade Federal do Paraná, onde conquistou, em março, o título de doutora em Educação.
Sempre – ela enfatiza: sempre, sempre, sempre mesmo – vestindo salto alto e com as pernas de fora, num ato político que busca naturalizar o corpo das pessoas trans, Megg é cumprimentada por alguém com carinho e respeito a cada dez minutos de conversa.
Aquele, porém, é seu “figurino do dia” – à noite, o salto aumenta e a saia encurta. “Eu não faço questão nenhuma de me parecer com uma mulher cis. Ao assumir quem somos, podemos reivindicar nosso direito de existir de forma muito mais potente”, justifica.
Aos seis anos de idade, Megg percebeu que era mulher, ainda que o mundo insistisse em lhe dizer o contrário. Na época, já desfilava pela casa com uma toalha de banho na cabeça para simular cabelos compridos, marca que ela associava à feminilidade. Hoje, mantém uma longa cabeleira de cachos naturais.
Pesquisa empoderada
A independência de pensamento, que conquistou ao longo de uma vida sitiada pelo preconceito, a levou a questionar em sua tese de doutorado uma parte da teoria de Michel Foucault (a quem, cheia de intimidade, Megg chama de “bicha branca”; Foucault era homossexual).
O autor reflete sobre dispositivos de poder que existem na sociedade para controlar os indivíduos e mantê-los presos aos padrões sociais, como a homofobia, que persegue homossexuais, ou o machismo, que reprime os direitos das mulheres.
“Eu percebi, na pesquisa, que no Brasil esse contexto pode contribuir para empoderar esses indivíduos em vez de mantê-los calados, como Foucault sugere”, diz Megg, que é exemplo prático da própria teoria: as repressões que sofreu só fortaleceram sua identidade e não a impediram de conquistar, inclusive, o título de doutora.
Sua tese foi publicada no livro “O diabo em forma de gente – (r)esistência de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação”. Nele, Megg reúne depoimentos de quatro professores que sofreram por não se encaixarem nos padrões heteronormativos que o sistema quer preservar a todo custo.
Ela própria relata sua história nas páginas do livro, que se tornou, em parte, uma autobiografia. “Apesar das nossas origens e localidades distintas, percebi que as histórias se repetiam. Um dos entrevistados disse: já que estão me chamando de viado, de bicha, de preto, na tentativa de me desqualificar, vou assumir que sou tudo isso. Sou viado, bicha e preto. E agora?”, pergunta a professora.
Em comum aos cinco personagens reais, a perseguição homofóbica e um processo de violência que conduziu ao empoderamento frente às tentativas de desestabilizar seu direito de existir. E atenção aos preconceituosos: tentar ofendê-los é uma estratégia que, segundo Megg, demonstra-se cada vez mais infrutífera, pois já passou da hora de começar a aceitar as pessoas como elas são.